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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Bem vindo ao Projeto Alhetra

(English Below)

Bem vindo.

Este é o o blog onde postei os primeiros capítulos do livro que estou escrevendo!
É uma história de ficção e fantasia com inspiração nos animes, manga, games, HQS, entre outros.
Inicialmente não planejava publicar na Internet, por isso os capítulos são longos.
Você pode copiar os textos e colar no seu editor de texto. Ler no seu pc, tablet ou imprimir. Leia no seu  tempo, da forma mais confortável possível .

Suas sugestões serão  bem vindas!

Você pode ver os desenhos e estudos do projeto em:

Kawek
http://kawek.net/Kiorra

Instagram
https://www.instagram.com/carlos_artur_sousa/

Eu tenho outra profissão, por isso toco esse projeto bem devagar. Mas se quiser ler mais capítulos  basta pedir. Tenho um bom material pronto não publicado!

English

Welcome

This is the blog where I posted the first chapters of the book I'm writing !
It is a fictional story and fantasy inspired in anime , manga, games, HQS , among others.
Initially did not plan to publish on the Internet , so the chapters are long.
You can copy the text and paste into your text editor. Read on your pc , tablet or print. Appreciate your time in the most comfortable way possible.
Your suggestions are welcome !

You can see the designs and studies of the project in the links above,  Instagram and Kawek

I have another profession , so I play this project slowly. I'm still preparing a english version.

domingo, 4 de julho de 2010

II - O Desaparecimento de Dana.

Na realidade seria difícil definir como tudo começou, pois fatos decisivos acontecem a todo instante, seja na Era Medieval(1000d.m.) ou mesmo no Presente(2100d.m.).Mas se formos considerar o que desencadeou todos os acontecimentos mais recentes nas vidas daqueles jovens e de todos que os cercavam como ponto de partida, então seria necessário voltar muitos anos no tempo para iniciar algum entendimento. Mais precisamente para o ano 1000d.m., a época de Kolt de Atlântis em que Rackel Casanova nem ao menos pensava em nascer. Teoricamente seria impossível ver ambos frente a frente, pelo menos até aquele dia...
Certa manhã, Kolt acordou sentindo-se muito mal. Estava com tonturas e dores por todo o corpo. Isso era muito raro de acontecer, pois mesmo em seus piores dias apenas uma simples gripe era o máximo que costumava afligi-lo. Era um menino com um corpo forte e sadio, mas naquela manhã mal conseguia ficar de pé. Nem de perto parecia ser o mesmo menino que vivia esmurrando as árvores e os monstros por simples diversão. Ao contrário dos dias normais, Kolt foi o último a acordar e na cama de palha permaneceu procurando deslocar-se o mínimo possível. Tal cena podia ser considerada como assustadora ou até milagrosa, mas pelo menos para Dana aquele tremendo mal-estar tinha uma explicação muito simples:
_Com certeza foram os monstros que tu vives comendo! _dizia ela. _Tu sabes que eles são criaturas das trevas, não sabes? Decerto pegaste uma bela de uma indigestão! Sempre digo para não come-los, mas nunca me escutas!!!
_Mas eles nunca me fizeram mal!
O menino estava deitado numa cama de palha em sua casa na árvore enquanto Dana o bombardeava de broncas e advertências. Sentada ao seu lado, a doce menina apalpava seu rosto para sentir a sua temperatura e estranhou o calor da pele combinado com o suor frio. Tinha certeza que tratava-se de um mal do outro mundo, pois de outro modo não seria capaz de derrubar Kolt daquela maneira. Decerto seria um mal causado pelo tenebroso sangue dos monstros, criaturas que Dana repudiava com todas as suas forças. Seu negativismo extremo já fora comprovado milhares de outras vezes quando eles assassinavam e destruíam tudo o que viam pelo caminho e agora ela sabia que até a sua carne era amaldiçoada. Mesmo mortos e assados, os monstros ainda podiam destruir vidas.
Dana estava ao seu lado cuidando e o ajudando sempre. Com apenas dez anos era uma perfeita "dona de casa" que adorava se sentir útil. Solidária e obediente, jamais fazia malcriações graças ao seu coração limpo e inocente. Era tão amável que, mesmo quando cometia uma falta grave, era praticamente impossível repreende-la perante ao seu olhar cativante. No entanto era muito medrosa e detestava ficar sozinha. Não seria surpresa para Kolt se ela desmaiasse após levar um pequeno susto. Por isso vivia colada no irmão gêmeo que cumpria bem suas obrigações, mas que nem sempre gostava que lhe fizessem companhia.
Kolt não era má pessoa e retribuía com carinho a dedicação da irmã cuidando e protegendo ela. Mas ele era mais inquieto, daqueles que não conseguem sentar-se nem por um minuto. Vivia procurando alguma coisa para fazer, mas desde que exigisse de muita força e agilidade para ser executada. Era tão forte que podia derrubar uma árvore só usando a força dos braços. Vivia sonhando com um mundo de aventuras, combates e peregrinações nas quais ele sempre saía como vitorioso. Como todos os bons meninos da época, também sonhava em ser um cavaleiro de Hurânia e defender os fracos e oprimidos. Era um desejo tão grande que vivia treinando lutas de espadas contra uns bonecos de madeira feitos por ele mesmo. Costumava amarra-los em um galho qualquer e os espancava a tarde inteira com um pedaço de bambu. A ilha já estava repleta de árvores quebradas e galhos jogados pelo chão, afinal ele vivia quebrando tudo. Fazia isso para ficar bem forte, pois assim poderia ir até o Reino Sagrado de Hurânia para ser escolhido como cavaleiro. Mas tanta dedicação lhe deixava com tanta fome que os peixes do lago e os legumes da horta já não estavam dando conta do recado. Foi aí que ele começou a caçar os monstros para assa-los e come-los, pois assim achou que iria recuperar a energia que estava lhe faltando. Só que Dana não gostou da idéia e decidiu não come-los também. Talvez por isso Kolt ficara doente e Dana jamais se sentira tão bem.
Mas a menina sabia como ajuda-lo. Tinha um grande conhecimento sobre ervas medicinais que somente a vida pôde lhe ensinar, além de uma floresta cheia delas. Dana nunca chegou a conhecer alguém que ingeriu carne de monstro e passou mal em seguida, mas ela tinha certeza de que conhecia uma poção que iria curar o teimoso Kolt. Só precisaria buscar na floresta os ingredientes necessários, além de providenciar a refeição matinal para ambos. A menina morria de medo de sair sozinha, mas por sorte estava uma manhã linda e isso a encorajou. Sabia que todos aqueles monstros horríveis que ela tanto temia estavam dormindo, pois tinham hábitos noturnos. Já os animais de grande porte geralmente preferiam circular bem longe dali, pois segundo Kolt, eles encaravam a casa na árvore com todos aqueles bonecos de madeira pendurados nos galhos como um monstro gigante que deveria ser evitado a qualquer custo. Provavelmente os únicos que se arriscariam a andar pelas redondezas eram os pássaros e os pequenos roedores, criaturas bem ágeis na hora da fuga. Se Dana iria sair de casa sozinha, aquele era o momento mais apropriado.
_Tu não importas de ficar sozinho só um pouco, não é? Irei em busca das ervas e não me demoro!
_Não precisas..._disse enquanto tentava se levantar. _...já estou bem...sou forte, Dana!
A doce menina colocou a mão sobre seu peito e o fez deitar novamente.
_Descansas, Kolt! _disse. _Deixas que eu cuide de ti!
_Não gosto de ficar aqui deitado!! Essa cama é o lugar mais chato do mundo!! Preciso sair daqui para fazer muitas coisas!!
Kolt podia estar doente, mas mesmo assim seu instinto aventureiro parecia gritar mais alto do que qualquer mal. Se Dana dissesse ou apenas insinuasse que ele não estava em boas condições para isso seria o mesmo que manda-lo derrotar todos os monstros de toda Terra de Alhetra. O garoto detestava ser chamado de fraco, mas Dana sabia como persuadi-lo:
_Não deves sair hoje, irmão!
_E por que não?
_Não percebes? _disse de uma maneira bem convincente. _Tu estiveste derrotando os monstros da ilha a vários meses! Em pouco tempo já não haverá nenhum para duelar contigo, Kolt! Deves parar um pouco ou todos eles morrerão! Tu és forte demais!!
O menino pareceu surpreendido com o ponto de vista da irmã. Ele esperava que ela exaltasse o seu momento de fraqueza, mas Dana fez exatamente o contrário.
_Mesmo? Não tinha reparado nisso, Dana.
_Ouças o que digo! E como serás mais tarde? Com quem irás duelar? Comigo é que não!
Kolt acabou concordando, afinal nenhum monstro era páreo para ele. Tinha de dar uma folga para eles ou poderiam entrar em extinção. Eles tinham sorte de Kolt estar doente naquela manhã, mas quando ele ficasse bom...
_Tens razão! _disse Kolt, todo orgulhoso da sua "terrível força". _Que eles descansem por hoje!
_Que bom que entendeste!
Então, Dana beijou a testa do irmão e levantou-se certa de que sua psicologia reversa funcionara mais uma vez. Kolt era muito vivo, no entanto subestimava um pouco a sua irmã e justamente por isso que ela as vezes conseguia facilmente persuadi-lo. Sua tática só falhava quando ele, ansioso em fazer aquilo que lhe desse na telha, deixava de escutar as suas advertências. Por sorte, naquele dia Kolt era só atenção para com Dana e vice-versa.
Vendo que ele já desistira de se levantar, a menina despediu-se e desceu pelas escadas de madeira da casa da árvore. Levava consigo um cesto de palha feito por ela mesma e uma espada de bambu. Planejava colher ervas medicinais, frutas, e algumas flores que ela adorava. A espada serviria unicamente para derrubar as frutas dos galhos mais altos, pois Dana só pensaria em sair correndo caso alguém lhe atacasse.
De fora da casa a manhã parecia ainda mais linda. O Sol brilhava gloriosamente e sua luz filtrada pelas folhagens das árvores formava feixes dourados que encantaram a menina. Quando vistas de dentro da casa a grama e as rosas não tinham tanta vida como Dana comprovara de perto. O ar parecia ainda mais fresco e sua pele deliciava-se com o calor do Sol. Ali os pássaros cantavam mais alto e voavam em todas as direções, confundindo seus olhares. Uma leve brisa balançou seus longos cabelos dando-lhe um certo prazer, tranqüilidade e confiança para seguir em frente. Eram coisas ela que não costumava sentir, já que mal saia de casa. Mas lá fora sentia uma pequena vontade de explorar a ilha brotar dentro de si. Porém, aquele momento não era o mais apropriado para isso já que precisava cuidar de Kolt.
Não foi necessário caminhar muito. Próximo da sua casa existiam algumas macieiras, laranjeiras e amoreiras. Com a espada derrubava as frutas dos galhos mais altos, guardando algumas no cesto e comendo outras. Sempre pegando as boas frutas e jogando as estragadas fora. Aproveitou para escorar-se na árvore o observar o lago a sua frente e notou que refletia com perfeição o céu, as copas da árvores e a sua própria casa. Naquele momento ela descobria como a simplicidade da natureza era bela e que provavelmente Kolt jamais parou para observa-la daquela forma, com exceção da terceira lua. Mas cada vez que o irmão lhe vinha a cabeça, Dana “acordava” e voltava suas atenções para suas tarefas. Por ali ficou até sentir-se satisfeita.
_Pobre Kolt! _pensou. _Já estas doente! Imagina se comer um fruto estragado!
Poucos passos a frente Dana avistou junto a algumas rochas enormes as tais ervas que tanto precisava. Seria trabalhoso colhe-las, pois a planta era cheia de espinhos. Além disso, era necessário evitar as ervas de menos idade, que ao contrário das mais velhas, eram letais. Uma erva velha poderia curar Kolt em algumas horas, mas uma erva nova poderia mata-lo em minutos. Mas Dana era uma especialista em ervas medicinais e jamais cometeria um erro tão crucial, embora não soubesse explicar o porquê dessa característica tão peculiar. Imaginava que, com o passar do tempo, o veneno contido nas ervas mais novas sofria uma transformação, resultando em uma substância com um alto poder de cura. Se estudasse bioquímica certamente poderia explicar esse fenômeno, mas naquela época a maioria da população mundial era quase analfabeta e somente poucos privilegiados tinham a oportunidade de estudar. Além disso os conhecimentos químicos da época era quase ou totalmente nulos, o que de certa forma colocava a menina numa posição admirável, embora conhecesse somente os fins e não os meios.
Enfim... após colher as ervas de que precisava, Dana ficou com os braços bem arranhados. Isso era algo que não costumava acontecer e naturalmente o sofrimento era enorme para uma menina tão frágil. Mas era um sacrifício que fazia com todo o prazer, já que a saúde de Kolt dependia disso. Ela costumava ser medrosa, mas era persistente quando preciso!
Depois de garantir a primeira refeição e a cura do irmão, Dana percebeu que ainda tinha tempo de sobra para cuidar de coisas mais pessoais. Como por exemplo, o enorme desejo que sentia em colher umas certas rosas brancas que ficavam do outro lado do lago. Sempre que esperava que Kolt retornasse de suas caçadas, Dana costumava observa-las da casa na árvore. Desde aqueles tempos sonhava em colhe-las, mas o medo de ser atacada pelos monstros a impedia sempre. Mas aquele era o dia perfeito...
Dana foi em direção as rosas e para isso foi necessário dar a volta no lago. Ela não sabia nadar e a travessia foi lenta porque não quis rodear o lago de perto, mesmo sabendo que a água batia somente nos seus joelhos. Ali Kolt lavava-se todas as madrugadas enquanto Dana preferia banhar-se em outro lago mais raso ainda. Mas para seu irmão, um exímio nadador, qualquer um dos lagos da ilha não eram nada mais do que poças de lama extremamente tediosas. Ele tinha sim uma intimidade toda especial com o mar e Dana já até ouvira de sua boca muitos planos para buscar o continente. Mas para isso seria necessário atravessar o Mar do Dragão e até que ela arrumasse coragem para tal ele ainda teria de esperar muitos anos.
Ao chegar finalmente, seus olhos brilharam de emoção:
_Que lindas! São ainda mais maravilhosas de perto!
Sem demora colheu as rosas enquanto pensava no vaso de barro que tinha feito a alguns dias atrás. As colocou carinhosamente no cesto com raízes e tudo. Ao chegar em casa, iria enche-lo d’água e coloca-lo ao lado de sua cama junto com as rosas.
_Tenho que pega-las com carinho! Se eu tivesse pedido ao Kolt ,para pega-las, com certeza teria machucado todas elas! Eu sou como essas rosas enquanto ele é rude como as ervas medicinais!
Ao término de suas tarefas Dana nem andara muito. Do outro lado do lago podia-se avistar os bonecos de madeira que Kolt vivia espancando. Só faltava preparar o chá medicinal e o vaso de flores.
Mas quando preparava-se para voltar para casa a menina sentiu cócegas nos seus pés, como se algo lambesse suas pernas. Dana olhou para baixo e viu a criatura, um coelho dourado.
Dana sempre quis ter um animalzinho. Ela odiava os animais grandes e assustadores, mas amava os pequenos mamíferos, principalmente coelhos. A menina não pensou duas vezes em tentar pega-lo. Mas ao ver que seria capturado, o coelho disparou para dentro da floresta. E Dana, que esqueceu-se completamente do medo que sentia da floresta, fez o máximo para não perde-lo de vista. Correu atrás do pequeno animal por entre dezenas e dezenas de árvores enquanto ele a driblava, passando diversas vezes pelas pernas da menina. Dana bem que fez um esforço digno, mas o coelho acabou desaparecendo entre alguns arbustos com a sua agilidade. Procurou remexe-los, mas sem obter um bom resultado. Decepcionada, não teve escolha a não ser dar meia volta e ir cuidar de seu irmão. No fundo tinha esperanças de encontra-lo num outro dia.
Porém, ao observar melhor as redondezas, a menina viu um monumento cilíndrico semelhante a um pilar. Estava de pé como as árvores da floresta. Dana aproximou-se com um olhar curioso e ficou diante dele por alguns segundos. Parecia-se bastante com as construções que existiam nos grandes continentes. Isto chamou a sua atenção, pois Kolt jamais lhe contara que existiam construções daquele tipo na ilha. As aparências diziam o contrário, parecia estar ali a séculos. Mesmo assim achava que aquele monumento não era originário dali. Aproximou-se mais ainda para examina-lo melhor.
_Um pilar no meio da floresta...parece que tem algo escrito nele...hum...símbolos...não tenho idéia do que significam..._e apalpou o monumento. _Não és de pedra...nem de madeira e nem de barro...Serás de metal? Hum...não...acho que não...Quê serás?
O monumento era grosso como uma árvore média, tinha por volta de dois metros de altura e estava repleto de inscrições misteriosas. Foram cuidadosamente esculpidas, mas isso não ajudava em nada na solução de enigma. Parecia estar bem fixo na terra, como se uma grande parte de sua extensão estivesse enterrada. Dana o examinou por um bom tempo, dando muitas voltas ao seu redor, apalpando toda a sua extensão e esforçando-se o máximo para desvendar o que aquelas inscrições desconhecidas diziam. Mas por mais que pensasse, não conseguia chegar a nenhuma conclusão. Diante do pilar, Dana o observou por mais alguns segundos, chegando até a esquecer-se do resto do mundo que a cercava.
_Isso não faz sentido! _dizia em pensamento. _Ninguém mais vive nessa ilha além de mim e de Kolt! Nenhum monstro seria capaz de construir algo tão raro de se imaginar! Ninguém nessa ilha poderia...A menos que esse monumento já estiveste aqui a muito tempo, bem antes de nós!
Por fim, Dana percebeu que de nada adiantava ficar ali matutando. Ela era uma menina de muitas obrigações e não deveria perder mais tempo com aquele pilar misterioso. O seu dever naquele momento era cuidar de suas tarefas e providenciar um ótimo lugar para colocar suas rosas brancas. Não foi possível para ela capturar o coelho dourado, mas talvez seu irmão fizesse isso depois que se curasse da indigestão. Era o mínimo que ele poderia fazer por ela depois dos inúmeros perigos que Dana enfrentara naquela manhã.
Voltou para casa onde Kolt encontrava-se dormindo profundamente em sua cama. Provavelmente ficara tão entediado que acabara pegando no sono, algo muito raro de se ver. Decidiu não acorda-lo. Quanto mais tempo passasse dentro de casa melhor. Depois de por as rosas no vaso de barro e de preparar o remédio, só restava cuidar dos serviços domésticos. No final da tarde quando Kolt despertou, Dana já fizera todas as suas tarefas e pode lhe oferecer uma refeição baseado em frutas, legumes e chá. Nada de carne de monstro dessa vez! Kolt adorou, repetindo-a várias vezes e deixando a irmã radiante.
_Tu és um anjo, Dana! _disse Kolt após terminar a refeição. _Eu não seria nada sem ti.
A menina baixou a cabeça e procurou esconder com as mãos suas bochechas que, embora não conseguisse vê-las, sabia que iriam mudar de tonalidade. A timidez também era uma das suas características mais marcantes.
_Não fales assim...
_Dana! Ficaste vermelha! _observou o menino, enquanto preparava-se para tomar a poção. Ao contrário do que esperava, tinha um gosto muito bom.
_Só faço as minhas tarefas...nada mais!
Kolt a olhou com ternura e reparou nos arranhões que cobriam os seus braços. Dana os jogou para trás, escondendo-os nas costas para que o menino não se sentisse culpado por seus machucados. Em seguida, Kolt baixou a cabeça, ficando pensativo de repente. Dana sentiu uma certa tristeza em seus olhos e ficou preocupada:
_Quê tens? Minha comida te fizeste mal?
_Não...estavas deliciosa! Eu só estava pensando no futuro...
_Futuro?
_Sim! No que serás de nossas vidas...
_Como assim? _Perguntou a menina. _Me digas quê te afliges, Kolt!
_...estava pensando em sair da ilha.
_Mas por que?
_Estou cansado daqui, Dana! Quero sair daqui e migrar para o Reino Sagrado de Hurânia!
Dana já sabia sobre o sonho do irmão. Ele não precisara dizer muitas coisas, bastava notar no quanto seus olhos brilhavam todas as vezes que falava em ser um cavaleiro de Hurânia. Todos os meninos daquela época sonhavam em ser o guerreiro mais forte de toda Terra de Alhetra e os cavaleiros de Hurânia estavam entre esses guerreiros. Kolt queria sair daquela floresta que não lhe oferecia mais desafios e ampliar seus horizontes como “homem”. A Terra de Alhetra era grande demais para que ele ficasse o resto de sua vida naquele lugar isolado de tudo. Ele já não se lembrava de quase nada sobre seu passado, mas sabia que poderia construir um grande futuro longe dali. Sabendo disso, Dana sentou-se ao seu lado e olhou bem dentro de seus olhos dizendo:
_Se tu queres sair da ilha, então irei contigo! Estarei sempre do teu lado, não importas onde estejas! Lembras do que sempre te digo? Tu és tudo o que eu tenho, Kolt! Jamais ficarei contra ti, meu irmão!
_Então aceitas atravessar o oceano apenas para realizarmos o meu sonho, Dana? Serás muito arriscado! Não estas com medo de morrer?
_Kolt...não posso esconder o meu medo! _admitiu a menina enquanto tirava a sua temperatura mais uma vez. _Mas os teus sonhos são os meus sonhos. Vou contigo até onde quiseres por toda a eternidade!
Comovido, Kolt a abraçou e assim permaneceram por muito tempo. Cada dia que se passava, sempre descobriam o quanto eram importantes um para o outro.
_Estas dizendo a verdade? Não disseste isso apenas porque estou triste? Ou serás porque estou doente?
_Sabe que não minto! Mas se tu precisas de um motivo para que eu tenha aceitado, então eu lhe digo que tu és muito cabeça dura e não deves andar pela Terra de Alhetra sozinho. Se eu não for contigo, tu acabarás apanhando de algum dos guerreiros dos grandes continentes, porque tu também és muito brigão!! Vou contigo para que nunca saias do caminho certo e transforme-se num depravado!
Kolt riu e disse:
_As vezes tu és sincera demais, Dana! O pior de tudo é que tu disseste uma verdade e eu não posso te contrariar!
Então ambos caíram na gargalhada. Foi então que Dana se lembrou do monumento misterioso e achou que aquela era o momento certo de se tocar no assunto. Falou sobre as frutas, das ervas, do medo de cair no lago, das flores, do coelho dourado, enfim... tudo minuciosamente narrado como se fosse uma grande aventura, parecendo uma espécie de odisséia na floresta. A menina chegou a se emocionar em determinados trechos tamanho o exagero. Mas no final de seu relato já estava anoitecendo e ela jamais se atreveria a voltar lá fora para lhe mostrar a estranha construção.
_Um pilar? _perguntou Kolt. Ele conhecia a ilha como a palma da mão. _Tens certeza, irmã? Eu nunca vi monumento algum na ilha...
_Não? Imaginei que soubesses!
Subitamente, levantou-se e foi até a porta.
_Aonde vais? _perguntou Dana.
_Quero ver esse tal monumento! Não saias de casa, Dana! Estas escuro lá fora e a morte é traiçoeira, minha irmã!
_Mas você não..._a menina pensou em pedir que ele voltasse para cama, mas sabia que seria impossível esperar isso dele depois de ouvir aquela estranha história. Dessa vez Dana não encontrou nenhuma forma de usar a sua psicologia reversa, então só lhe restaria rezar para a Deusa Alhetra que seu irmão regressasse logo. Pelo menos a poção que ela fizera o curou rapidamente. _Bem...ficarei te esperando, irmão! Tu buscarias um coelho dourado para mim?
_Dourado? Eu tentarei, mas não prometo trazer ele hoje...
Kolt saltou da casa da árvore sem sequer tocar na escada e correu até onde Dana afirmou ter visto o pilar. Poucos minutos mais tarde já o havia encontrado e passou a examina-lo. Suas conclusões não foram diferentes das de sua irmã, mas havia algo em particular que chamou sua atenção, um símbolo que ele já conhecia bem: o emblema do Reino Sagrado de Hurânia.
_Que estranho..._refletia. _..o Reino Sagrado de Hurânia ficas muito longe daqui. Sei que já caminhei muito por esses lados, mas nunca vi este monumento antes...Mas quê és isso?
O emblema do Reino Sagrado de Hurânia era constituído de quatro triângulos cercados de laços dourados. Poucos sabiam o significado dos triângulos, mas todos sabiam que os laços simbolizavam o poder e o controle que o reino exercia sobre o mundo. De todos os grandes continentes, apenas dois eram propriedades de outros reinos menores e de pouca importância. Mas para um reino que ditava as regras do mundo essas ilhotas repletas de monstros e selvagens eram quase insignificantes. Certamente a ilha de Kolt não fugia á essa regra e isso significava que encontrar qualquer vestígio da cultura hurâniana nesses “fins de mundo” era impossível. Só que Kolt estava diante de um desses vestígios, o que complicava ainda mais o enigma.
Tentou remover o pilar, mas todo seu esforço foi em vão. Nem mesmo ele, que era tão forte, conseguiu mover sequer um milímetro. Kolt tinha um gênio bem diferente de Dana e, mesmo tratando-se de um vestígio da cultura hurâniana, ele não estava muito disposto a ficar ali deduzindo sobre o monumento. Na verdade a noite já estava caindo e ele só conseguia pensar em um modo de ver a terceira lua. Por fim, o menino decidiu simplesmente ignorá-lo, pois no final das contas aquele monumento não significava nada para ele. Era apenas um pilar, uma construção sem vida e inofensiva. Sua presença já não lhe causava nenhuma reação.
Antes de ir embora o menino olhou para o céu na esperança de ver a Carolina...
_As luas..._observou. _...elas estão se juntando mais uma vez...Dana deve estar assustada! Ela terá de esperar até amanhã para ganhar o seu coelho cor de ouro.
O menino então correu até sua casa para confortar Dana que também detestava certos fenômenos naturais como eclipses e o alinhamento mensal das três luas. Certamente ela já estaria enfiada no meio da cama de palha tentando não ver o fenômeno. Depois de tudo que ela fizera por ele, Kolt não poderia deixar de conforta-la naquele “momento difícil”. O menino correu o mais depressa possível para casa, até porque ele poderia observar o alinhamento de lá mesmo. Porém, ao chegar notou a ausência da irmã, que não estava na cama como ele esperava. Procurou por todos os lados da casa e não a encontrou. Pôs a cara fora da janela e gritou seu nome bem alto, mas não obteve resposta. Dana não estava em lugar algum.
_Dana!!! Onde estas???? Dana!!!!
Dana não teria saído, pois Kolt mandou que ela o esperasse dentro de casa. Ela jamais sairia a noite por temer os monstros...os monstros! Teriam os monstros feito algo com ela? No entanto Kolt não encontrou sinais de violência ou tampouco escutou algo. O menino ficou desesperado, Dana era a coisa mais importante na sua vida. Jamais se perdoaria se ela morresse por culpa de suas andanças noturnas. Procurou concentrar-se em seus cinco sentidos, mas nenhum deles lhe indicava uma pista como se ela jamais estivesse ali antes. O menino olhou novamente a cama e avistou o último vestígio da menina, o vaso de rosas brancas que pareciam simbolizar a sua preocupação. Pegou uma rosa e a segurou firmemente contra o peito como se lhe fizesse um pedido. Mas a rosa não seria capaz de ajuda-lo naquele momento, então ele a devolveu ao vaso decidiu olhar lá fora. Sem um rastro a seguir o menino sentiu-se incapacitado e a mercer da complicada situação. Da janela Kolt observou o alinhamento das três luas e se pôs a chorar. A doce menina que cuidou dele durante todo o dia desaparecera! Sem ela, sua vida não significava nada...
Para Kolt só restava rezar a Deusa Alhetra para trazer sua querida irmã de volta. Seus instintos, nos quais tanto confiava, agora pareciam dormir em um sono profundo. O menino não sabia que atitude tomar, procurava acalmar-se, mas tudo era em vão. Cada segundo não era nada além do que um passo a mais para cair em desespero.
Foi então que a lenda começou. Foi quando Kolt olhou em direção ao lago e viu algo que chamou a sua atenção. Do outro lado avistou um estranho brilho dourado que sugeria algo bem maior que um incêndio. Um brilho que lhe mostrou visões de outros povos, outras culturas, outros mundos e outras eras Cenas que percorreram sua mente na velocidade da luz e desafiaram sua compreensão de mortal. Por alguns instantes ele deixou de pensar em Dana para concentrar-se naquele acontecimento isolado. Sua viajem mental demorou poucos milésimos, mas foi o suficiente para percorrer todos os períodos do tempo que se armazenaram em um canto escondido de sua memória quando recobrou a consciência. Então retornou a sua época, quando avistara a estranha luz vindo do outro lado do lago. Lembrou-se que o monumento ao qual observou a poucos instantes atrás ficava exatamente naquela direção. Tratava-se do monumento misterioso que emanava uma luz que crescia cada vez mais...
_Que luz é essa? _pensou confuso. _Por Alhetra, quê estas havendo aqui?
...e o pequeno brilho se transformou instantaneamente em um clarão tão intenso que fez com que a noite virasse dia, pegando-o de surpresa. O impacto o jogou no solo com a face virada para o céu. No meio da explosão ele teve a impressão de ter visto uma menina de cabelos vermelhos e um rapaz loiro caírem das nuvens, mas depois Kolt já não conseguiu mais abrir os olhos diante do imenso clarão. Tentou proteger os olhos com as mãos, pois aquela luz atravessava facilmente as suas pálpebras e parecia queimar suas retinas. Imobilizado, paralisado, sem ação. Não sabia quê estava acontecendo. Só conseguia pensar em Dana...só queria que tudo aquilo acabasse...
E a luz do monumento iluminou toda a Era Medieval(1000d.m.) para muda-la para sempre...

III - O livro sem nome.


Dana desaparecera e Kolt passaria a enfrentar a batalha mais difícil de sua vida Subitamente, a ausência de sua irmã passa a contracenar com um segundo fato. O monumento misterioso brilhou intensamente e trouxe algo além do tempo. Quando o clarão cessou, Kolt correu o mais rápido que suas pernas permitiram em direção ao pilar até que...No entanto, para entender o que realmente estava acontecendo, seria necessário viajar no tempo mais uma vez. Seria necessário avançar até a era de Rackel Casanova, o ano 2100d.m.(Presente).


Rackel estava debaixo do chuveiro procurando relaxar o máximo possível após despertar de um típico pesadelo. A péssima noite de sono a fez permanecer no banho refletindo nas últimas duas horas. Por um longo tempo litros incontáveis de água e lágrimas desceram pelo ralo levando consigo um pouco de suas mágoas que nunca paravam de acumular. O banheiro se transformara numa verdadeira sauna, mas isso não chegava a quebrar a sua concentração. Só conseguia pensar naquele estranho sonho que a pertubava. O pesadelo no qual ela despencava de um abismo sem fundo por toda a eternidade até que despertava apavorada. Quase sempre as noites terminavam assim e essa situação tornara-se insuportável.

_Dinovo..._pensava enquanto massageava os cabelos com shampoo. _...o mesmo sonho, quase todas as noites! Por que? Por que eu sempre despenco? Por que alguém sempre me empurra? Quem é aquela pessoa?

Procurava sentir a água morna escorrer pelo seu corpo como se fosse uma espécie de agente purificador. Sentou-se no piso de cabeça baixa, abraçou as pernas em busca de proteção e deixou que as milhares de gotículas fizessem o seu trabalho. O seu estômago parecia estocar uma tempestade de inverno e suas lágrimas eram a própria neve. A moça sentia-se muito só e cheia de dúvidas. Somente três horas depois encontrou coragem para desligar o chuveiro. Secou-se lentamente ainda perdida em seus pensamentos, enrolou a toalha no corpo e foi para seu quarto. Observou-se minuciosamente no grande espelho com molduras douradas e pensou:

_Estou horrível...é a mesma face, o mesmo corpo e os mesmos olhos azuis...Mas está tudo tão horrível...tão vazio e opaco...

Apalpou o rosto lentamente como se buscasse alguma imperfeição. O vazio dentro de si parecia consumi-la por inteiro. Naquela manhã o espelho se declarara seu pior inimigo. Estava prestes a entrar em depressão e enquanto vestia sua calça jeans e sua camisetinha rosa surgiu uma dúvida em sua mente...seriam saudades de Asgard?

Rackel era o que o mundo moderno conhecia como hiperdotada, ou seja, uma menina com dons tão fenomenais que ultrapassavam os limites das pessoas comuns ou até mesmo dos gênios superdotados. Sua mente era muito avançada, capaz de aprender qualquer coisa em poucas horas, seja falar um idioma estrangeiro ou tocar um instrumento musical com virtuosismo. A sua capacidade absurda de processar informações complexas rapidamente a tornou conhecida como a aluna mais inteligente de Asgard. Mas o que a tornava extremamente especial era a sua capacidade de aprender os dons de outros hiperdotados. Graças a isso, sua lista de dons era bem extensa e poderia ser ainda maior. Na realidade seus dons eram tão especiais que a proibiam de levar uma vida normal como qualquer moça de sua idade e isso a deixava muito infeliz de vez em quando. Foram poucos os anos em que Rackel podia se misturar com as pessoas comuns, mas quando seus dons mostraram-se evidentes o seu pai não teve escolha a não ser afasta-la de tudo e de todos. Isso causou um efeito colateral na moça, que não conseguia fazer mais amizades mesmo no Complexo Educacional para Fenômenos, onde os jovens eram um pouco mais parecidos com ela. Rackel tornou-se uma moça distante e com dificuldades para confiar nas pessoas. Inteligente, bonita, rica e inalcançável.

A Terra de Alhetra era infestada de hiperdotados como Rackel e no entanto poucos estavam preparados para aceitar essa realidade. Por isso, qualquer casal que concebesse uma criança hiperdotada deveria mante-la no mais absoluto sigilo e entrar em contato com as autoridades. Esse era um padrão que todos seguiam automaticamente, mesmo tratando-se de um tema pouco discutido. Caso a criança realmente tivesse um dom especial, o governo a mandava para um dos Complexos Educacionais para Fenômenos, verdadeiros internatos de onde o hiperdotado só sairia depois de adquirir total domínio sobre seu dom. Rackel e Rádiki experimentavam essa sensação de liberdade após muitos anos estudando no Complexo Educacional para Fenômenos de Asgard, uma ilha rochosa longe do continente. Rackel não estudou ali a toa, pois a ilha de Asgard era propriedade de Anástase Casanova, seu pai. Lá, hiperdotados de todo o mundo recebiam uma orientação especializada que jamais receberiam em um colégio comum enquanto preparavam-se para ter um papel ativo na sociedade. Do contrário, os jovens hiperdotados tornariam-se adultos frustrados e prontos para causar o caos pelo mundo, ou nas palavras dos oficiais de Asgard, eles eram como uma bomba relógio que deveria ser desativada.

Na verdade, Anástase Casanova não era apenas o dono da ilha de Asgard, mas também foi o homem que deu o pontapé inicial para que as CEFS(Complexos Educacionais para Fenômenos) se tornassem uma realidade. Fora o homem que criou o projeto dos CEFS e fez deles verdadeiras minas de ouro. Era um homem muito culto cujo as principais paixões eram a arquitetura, engenharia, história e a arqueologia. Curiosamente era um homem de sucesso em todas essas áreas que não parava de enricar, mas nunca fora um pai muito presente na vida de Rackel. Depois da morte de sua mãe, a moça e o pai se distanciaram cada vez mais até perderam completamente o contato. Dr. Casanova estava no longínquo continente de Sagitta, em uma expedição que buscava por artefatos arqueológicos enquanto sua filha sonhava com um dia em que ele tivesse tempo para passarem juntos. Essa distância a irritava profundamente o que de certa forma era algo bem positivo, pois significava que ainda existia amor por parte dela apesar de tudo.

Asgard consumia tanto o tempo de Rackel que, já com 14 anos, jamais chegou a ter um namorado. Não que ela já fosse velha demais para isso, mas nos tempos atuais é comum que os jovens comecem a namorar com menos idade. Era natural que Rackel se sentisse cobrada pela sociedade moderna assim como qualquer adolescente normal. Tinha longos cabelos lisos e vermelhos, uma pele clara como a neve, olhos azuis como o céu do meio-dia e uma voz agradável de se ouvir por horas e horas. Apesar de sua beleza rara, suas experiências amorosas somavam zero. Ela estava disposta a mudar isso agora que ficaria alguns meses longe de Asgard.

Após passar mais algumas horas se arrumando diante do espelho, a moça pediu pelo telefone que Severino lhe preparasse um café da manhã reforçado. Aquilo certamente levantaria o seu astral. Enquanto isso ela procurava desabafar suas mágoas digitando poemas em seu computador. A grande maioria deles falava sobre solidão, isolamento ou desprezo. Nesses momentos sentia o quanto Carolina era importante em sua vida.

_Ela é como um espelho! _refletiu. _Um espelho que reflete os sentimentos mais ocultos do meu coração! Ela também me simboliza, pois é tão especial e tão desprezada ao mesmo tempo. Ela me compreende como se fosse eu mesma...

Mais algumas horas depois, a moça desligou seu computador e saiu do quarto. Olhou para os vários quadros pendurados no corredor e os admirou por alguns minutos, pois a arte também exercia um poder fantástico sobre ela. Aproveitou para olhar pela janela e viu que já era de tardinha. Em seguida desceu as escadas e foi até a sala de jantar. Lá aguardava Severino que puxou uma cadeira num gesto cordial para com a moça.

_Sente-se, senhorita. _disse. _Hoje preparei algo especial que a deixará radiante!

Rackel o olhou curiosa.

_Algo especial? _disse enquanto sentava-se.

_Sim.

Severino foi até a cozinha e voltou com um bolo de fubá em uma bandeja. Era um bolo muito simples na verdade, mas que causava um efeito mágico na moça. Rackel mal pode conter-se diante daquele bolo e fez questão de cortar o primeiro pedaço. Ao dar a primeira mordida, finalmente conseguiu dar seus primeiros sorrisos naquele dia. Severino a olhou com satisfação.

_Sabia que daria certo! _gabou-se o mordomo. _A senhorita sempre sorria quando lhe servia este bolo. Essa receita nunca deixou de lhe arrancar alguns sorrisos, senhorita! Eu poderia lhe oferecer um outro bolo majestoso ou mais caro, mas desde criança sempre gostou das coisas mais simples. As meninas ricas não costumam ser assim! Já se enche de alegria com um simples bolo de fubá!

Rackel já levava uma vida cheia de complicações, por isso procurava simplifica-la sempre que possível. Isso valia tanto na hora de se vestir quanto na hora de comer.

_Mas é claro! Como posso ficar triste diante dessa delícia? _Rackel serviu-se educadamente de um copo de suco e acrescentou _Agradeço de coração, Severino! Mas como sabia que eu estava triste?

_E eu não lhe conheço, senhorita? Passou praticamente o dia inteiro no seu quarto...sei quando está magoada com a vida! Mas seja paciente, menina! Sua felicidade não esta tão longe quanto pensa. Você é tão boa com as pessoas, então a vida lhe recompensará um dia.

_Severino...

Só haviam três pessoas que Rackel se apegava no mundo: Severino, Rádiki e o seu pai. O mordomo cuidou dela durante toda sua infância e costumava visita-la em Asgard. Rádiki era o único amigo, o irmão que ela nunca teve que a amava sem se importar com o seu dinheiro ou sua beleza. O Dr. Casanova a amava muito, mas era muito ocupado e dificilmente eram vistos juntos. Por isso, diante de qualquer demonstração de carinho, a moça desmanchava-se em lágrimas.

_Não chore, menina! Pense no bolo de fubá!

_É verdade..._disse enquanto enxugava uma lágrima. _...esta delicioso, obrigado!

Porém, seria injusto dizer que o seu pai a desprezava. O Dr. Casanova estava tão preocupado com os instintos adolescentes de sua filha que deixou ordens explícitas proibindo-a de sair da mansão. Ele já previa que a moça queria correr atrás de um namorado por toda a cidade de Bares e poderia ser facilmente enganada por certos rapazes de má fé. Estava tão disposto a defender sua filha desses aproveitadores que não permitia que nenhum homem trabalhasse em sua mansão, com exceção de Severino e o chofer. E depois ela era uma hiperdotada e ainda não estava pronta para ter uma vida social. Essa atitude tão radical do seu pai a deixava triste, mas jamais pensava em contrariai-lo. O máximo que Rackel poderia fazer era passar o dia inteiro caminhando por sua imensa propriedade na companhia de empregadas em que ela não confiava. Ela não sentia apenas a falta de um pai ou um namorado, mas também de uma amiga para quem pudesse contar todos os seus segredos, pois certas coisas jamais poderiam ser discutidas com um homem, nem mesmo com Severino!

A refeição de Rackel fora interrompida pelo som da campanhia. Alguém a apertava sem parar como se gostasse bastante do som por ela emitido. Mas por mais interessante que o som fosse, era impossível não irritar aqueles que estavam no interior da residência. Somente uma pessoa acharia graça naquilo:

_Deve ser o Rádiki! _deduziu a moça. _Por favor, vá recebe-lo!

_Tem certeza, senhorita? Posso expulsá-lo daqui para sempre se assim você quiser!

_Não!!!

_Muito bem..._disse o mordomo decepcionado. _Vou recebe-lo, senhorita! Mas por favor, não peça para mim outra rodada de chá! Lembra-se do que aconteceu da última vez?

_Nisso eu até concordo com você, Severino! Mas nem pense em destrata-lo, entendeu?

O mordomo foi até a porta sem disfarçar a sua má vontade, mas ao chegar até ela notou que o rapaz já aguardava dentro da casa. Certamente esse comportamento lhe pareceu abusivo, mas não pode fazer nada a não ser conduzi-lo até a cozinha e oferecer-lhe uma cadeira, retirando-se logo depois.

_Sabia que era você! _disse Rackel. _Sente-se e coma um pedaço de bolo, a menos que prefira algo mais forte!

Rádiki jogou bruscamente suas nádegas na cadeira, arrastando-a um pouco e causando um barulho estridente e perturbador.

_Relaxa! Estou sem fome, mina! _o rapaz deu uma bela olhada pelo cômodo como se procurasse algo. _Tem mais alguém aqui na mansão?

_Somente eu e Severino! Por que?

Em seguida, Rádiki aproximou mais o seu rosto da moça e cochichou:

_Precisamos conversar em particular!

A moça estranhou o seu tom.

_Então diga! _disse. _Não se preocupe, Severino não está escutando atrás da porta!

_Não me importo com isso, mas não é uma coisa fácil de se contar, mina!

_Sabe que pode confiar em mim, não sabe?

_Certo...É que tem algum troço errado na minha cabeça...tenho suportado isso por meses...mas não consigo mais!!

O rapaz levou as mãos a cabeça tamanho o seu nervosismo. Parecia que Rackel não era a única que estava num péssimo dia. Após consola-lo, Rackel procurou arrancar aquele peso das costas do amigo. Ela parecia sentir a angustia do rapaz como e fosse a sua própria angustia. Ironicamente seus sentimentos não estavam nem um pouco longe da realidade.

_Não se preocupe, Rádiki! Estou aqui para lhe ajudar, então diga-me o que tem de errado com a sua cabeça!

_Sonhos...

_Como?!!! _o coração da moça disparou. _Está tendo pesadelos? Como são?

_É horrível!! Não me lembro de muitos detalhes...me lembro de um abismo sem fundo...e de repente alguém me empurra e eu despenco...até que eu acordo com o coração na boca! É só disso que me lembro! Sinto um vazio muito grande dentro de mim, Rackel! Será que estou ficando louco?!!!

Rackel ouviu tudo boquiaberta, pois também tivera pesadelos parecidos nos últimos meses. Ela também ficava confusa e perdida em seus pensamentos em busca de respostas. Era por isso que passava horas no banho. Ela sabia exatamente como Rádiki se sentia e conhecendo-o como conhecia percebera que sua situação era muito complicada, afinal Rádiki não era o rapaz mais sentimental do mundo.

_Também tenho pesadelos assim! _confessou a moça. _Acho surpreendente, uma grande coincidência, mas não sei que está acontecendo e muito menos como lhe ajudar!!! Como nos ajudar, Rádiki!

Rádiki lançou um olhar assombrado.

_Você também?_ e após refletir por alguns segundos, acrescentou. _Isso é assustador...mas agora que me disse...talvez não seja uma coincidência! Se nós dois estamos tendo esses pesadelos...com certeza não é coincidência!!

_Que quer dizer?

_Não sei ao certo.. só uma suspeita...algo relacionado a Asgard! Sempre achei aquele lugar muito esquisito e misterioso!

_Como assim? Acha que fizeram algo estranho conosco lá? _a moça não pode conter o riso. _Não sei de onde tirou isso, mas duvido muito, Rádiki! Asgard é um Complexo Educacional e não um laboratório! Acha mesmo que fariam algo com nossas mentes sem que percebêssemos? Você realmente detesta estudar lá, não é?

_Eu disse que era só uma suspeita! Não precisa vir com essa cara de sonsa para cima de mim! Mas se você tem outra suspeita, então pode dizer!

Neste momento Severino entrou na cozinha sem dizer absolutamente nada e dando um belo susto em todos. Mas antes que Rackel pudesse dizer alguma coisa, o mordomo simplesmente entrou na conversa, contrariando as expectativas da moça.

_Sinto muito, senhorita! Mas não pude deixar de ouvir a sua conversa com o garoto perrapado...

_Ei!!! _interrompeu Rádiki. _Nunca ouça o papo alheio atrás da porta, coroa! E não me chame de garoto!!

_Tudo bem, Severino! _disse Rackel que nunca se cansava do atrito entre eles. _Não tenho segredos para você, mas quer me dizer algo?

_Muitas coisas, senhorita! É uma história um pouco longa...

A moça fez um gesto para que o mordomo se sentasse.

_Amo histórias! Pois comece então!

Sentou-se e pareceu empolgado com os olhares curiosos que o cercavam. Mesmo Rádiki, sempre desinteressado, agora era só concentração.

_Senhorita..._iniciou o mordomo...sabe que seu pai é um grande colecionador de artefatos arqueológicos e que costuma trazer certos objetos de suas viagens, não sabe? Ele faz isso desde que você era apenas um bebê e depois de anos e anos acumulando objetos dos mais variados, decidiu guarda-los naquela sala reservada perto da biblioteca.

_Eu sei. _concordou a moça. _O salão proibido onde estão guardados os lixos do meu pai!

De lixo aquele salão não tinha nada. Lá estava uma imensa coleção de armaduras, pergaminhos antiquíssimos, amuletos e outros artefatos arqueológicos de valor inestimável. Coisas que o Dr. Casanova encontrava em suas expedições pela Terra de Alhetra e procurava guardar de recordação ou simplesmente por vaidade. Mas para Rackel eram símbolos da enorme distância entre ela e seu pai, por isso as desprezava.

_Essa mesma..._continuou Severino._...certa vez seu pai retornou de viagem com um livro muito grosso e velho. Ao me mostra-lo, não pude deixar de notar no cadeado dourado que o lacrava, muito belo por sinal! Seu pai parecia muito fascinado e passava horas trancado na biblioteca com o livro. Confesso que nunca o vi lendo, mas algumas semanas mais tarde me pediu que o guardasse no salão proibido e para jamais abri-lo. Estranhei muito, pois geralmente me pediria para guarda-lo na biblioteca. Pelo que me parece, seu pai estava disposto a esconde-lo do mundo inteiro, embora eu não saiba dizer por quê.

Rádiki e Rackel esperavam ouvir outra coisa, pois o tema da conversa anterior não se encaixava nem um pouco com o novo.

_Muito estranho..._disse Rackel pensativa..._mas por que está nos contando isso?

_Isso aconteceu a 13 anos e no entanto lembro-me como se fosse ontem...Por curiosidade, certa vez perguntei ao Dr. Casanova se gostara da leitura. Querem saber o que ele me respondeu?

Os jovens confirmaram com a cabeça.

_Chegamos ao ponto principal da minha história! Ele me disse, nitidamente alterado, que simplesmente odiara o livro! Era tão ruim que causara sonhos terríveis que o impediram de dormir por duas semanas seguidas!! Tratava-se de um livro amaldiçoado de uma civilização extinta a milênios, mas seu pai não quis me dar muitos detalhes sobre isso. Por fim insistiu que ninguém deveria tentar abri-lo ou sequer aproximar-se dele. Segui suas recomendações e meses mais tarde eu sequer me lembrava da existência do livro.

Todos aquietaram-se como se alguma dúvida estivesse no ar, até que Rádiki quebrou o silêncio:

_E qual é a moral? Que está tentando nos ensinar, coroa?

_Nada!

_Como assim nada?

_Não quis lhes ensinar coisa alguma! Apenas ouvi vocês conversando sobre pesadelos, abismos sem fundo...me dei conta de que já ouvi essas palavras antes! Foi seu pai, Rackel, que a 13 anos atrás passou a ter esses mesmos pesadelos! Ele também ficava deprimido assim como vocês. Teriam vocês lido o livro?

_Não! _disse Rackel com convicção. _Ultimamente só leio livros de astronomia e os meus poemas melancólicos. Carolina e o meu computador têm sido meus maiores refúgios da solidão.

_E eu nem gosto de ler! _acrescentou Rádiki com grande desgosto. _Talvez um gibi...mas para mim os livros são um saco!! Eu fico pensando nesses idiotas que passam horas escrevendo, escrevendo, escrevendo... Não sei como eles agüentam!! Primeiro eles fazem um rascunho, depois transformam o rascunho em textos gigantescos, depois resumem tudo e quando você vai ver o livro é um rascunho de um rascunho porque eles começam tudo dinovo!!! Qual é o problema deles? Os tiozinhos da escola falam que eles são gênios com uma mega explosão de idéias, mas no fundo são só um bando de desocupados. Quando eles gostam de uma mina não dizem nada para ela, mas quando pegam no lápis acontece a tal explosão de criatividade. Para mim isso se chama outra coisas e eu acho que eles deveriam se matar!!!

Rackel não conseguiu esconder a sua gargalhada.

_Isso é bem típico de dele. _disse Severino que não achou a mínima graça.

_Tô nem aí, coroa!

Mas mal passou-se o momento de descontração e a mente de Rackel trabalhava a mil por hora. Nunca vira tal livro em toda a sua vida e não acreditava que tivesse qualquer ligação com seus pesadelos, mas mesmo assim estava bem interessada nele.

_Então o meu pai queria esconde-lo de todos?

_Sim! _afirmou Severino. _Talvez tenha sido uma péssima leitura, daquelas que não se deseja nem para seu pior inimigo!

_E qual era o nome do livro, Severino?

_Era um livro sem nome! Lembro-me de sua capadura azul e do belo cadeado dourado que o lacrava, mas tenho certeza de que não tinha título.

_Quem sabe um autor?

_Hum..._o mordomo refletiu por vários segundos e disse. _...sinceramente não me recordo! Sobre a existência de um autor eu não tenho certeza, mas insisto em dizer que o livro não tinha nome! Era um livro misterioso!!

_Quê está sugerindo, Severino? Acha que a real causa de nossos pesadelos está no tal livro? Eu não vejo como...

O mordomo negou com a cabeça exibindo um enorme sorriso.

_Repito mais uma vez! _disse. _Não estou ensinando, recomendando, insinuando ou sugerindo nada! Apenas relatei fatos semelhantes aos que caem sobre vocês no momento! Perdoem-me se infestei ainda mais suas mentes de dúvidas! _em seguida levantou-se. _Há algo mais que queira me perguntar, Srta. Rackel? Se não se importa, preciso cuidar dos meus afazeres!

A moça o olhou confusa. Certamente tinha centenas de dúvidas, mas que provavelmente seu mordomo não seria capaz de resolve-las. Não fazia sentido roubar ainda mais o seu tempo.

_Está livre, Severino.

Cordialmente, Severino os comprimentou e retirou-se do cômodo. Rackel e Rádiki se entreolharam, aguardando que alguém dissesse algo. O clima ficara inevitavelmente sombrio e houve uma grande dificuldade em mudar de assunto por ambas as partes. Ainda que duvidassem da sua ligação com os sonhos, eles só conseguiam pensar no livro sem nome. Por isso, Rádiki optou pela transparência no final das contas:

_Sei que está pensando na mesma coisa que eu!

Rackel esperou que ele terminasse de falar.

_Não negue, mina! _prosseguiu com habitual arrogância. _Está com tanta vontade de ver aquele livro quanto eu.

Ela ainda permaneceu em silêncio.

_Se não disse nada é porque acertei na mosca. Então vamos pular aquela parte em que você rejeita as minhas idéias e vamos logo até o famoso salão proibido pegar a droga desse livro!

_Tudo bem, eu não vou negar!!! _admitiu com raiva. _Mas não acho que seja uma boa idéia mesmo assim...

_Rackel!! Na sua biblioteca existem milhares de livros sobre uma renca de assuntos e apenas um livro recebeu atenção especial! De todos, somente ele foi deixado no salão proibido! Somente ele foi rejeitado pelo seu chefe! Não gostaria de saber por quê? Não quer saber a causa de nossos pesadelos?

_Nossa, Rádiki!! Eu esperava que você fosse o último a acreditar nessa conexão!

_Precisamos botar a culpa em alguém, então que seja no livro do seu pai!

_E é assim? Que maneira eficiente de se resolver as coisas!

A moça levantou-se e passou a perambular pela cozinha. Estava nervosa, pensativa e indecisa. Não sabia se pegava o livro ou se o esquecia de vez. Mas também estava curiosa! Queria saber por que seu pai o escondeu no salão proibido ao lado de outros objetos insubstituíveis e não na biblioteca. Queria ler o seu misterioso conteúdo para julgar se ele realmente tinha alguma ligação com seus sonhos. Queria saber o por que do seu pai te-lo detestado tanto a ponto de isola-lo do resto do mundo. Enfim, após umas vinte voltas ao redor da mesa, a curiosidade acabou vencendo a indecisão. Parou diante de Rádiki e disse com absurda firmeza:

_Vamos! Mas digo desde já! Essa idéia é um tremendo erro e não assumirei nenhuma responsabilidade por quaisquer conseqüências que possam surgir, entendeu?

_Firmeza, mina!

Ambos se dirigiram ao salão proibido, localizado no mesmo corredor onde ficava a biblioteca. Mal penetraram nele e se depararam com a enorme coleção de artefatos arqueológicos do Dr. Casanova. Haviam armaduras medievais que pareciam ter vida própria, escudos pendurados nas paredes, armas de todos os tipos e épocas, ossos de dinossauros, esculturas preistóricas e rochas com runas pintadas por toda sua extensão. Era um verdadeiro museu com elementos de todas as eras conhecidas e que nunca parava de crescer, graças as constantes andanças do pai de Rackel pelo mundo. Rádiki observava tudo sem esconder o seu assombro e a moça o seu desprezo.

Como Severino dissera, o livro fora achado a treze anos atrás, por isso a moça deduziu que ele estaria guardado no fundo do salão como todos os outros objetos mais antigos da coleção. Após uma rápida olhada pelo salão, Rádiki o avistou:

_Veja! _disse enquanto apontava com o dedo. _Será aquele em cima da grande escultura. Minha nossa...como ela é feia!!! O seu pai gosta de coisas bem esquisitonas, não acha?

A moça riu.

_Não é uma escultura, bobo! Acho que é um totem ou um pilar de um templo...de uma civilização clássica, talvez! Nem meu pai sabe ao certo de qual!

_Isso é só entulho, mina!

O pilar tinha por volta de dois metros de altura. Foi necessário que Rádiki desse alguns saltos para pegar o livro e entrega-lo para a amiga que o examinou sem disfarçar um leve nervosismo. Realmente tinha uma capa azul e tanto capa quanto livro eram grossos, de no mínimo duas mil páginas. Como o mordomo descrevera, estava lacrado com um belo cadeado dourado.

_Kiorra..._leu Rackel. Era um minúsculo nome escrito no lado inferior da capa.

_O coroa disse que era um livro sem nome! Kiorra é um título bem zoado, não acha?

_Não! Não acho que esse seja o nome do livro, Rádiki! Parece mais um diário! Deve ser o nome do autor!

_É sério? _disse Rádiki com ironia. _E quando é que você vai abrir isso?

_Não vê que está lacrado?

_E daí? Eu quebro esse cadeado rapidinho, quer ver?

_Está louco? Não quero danifica-lo! Meu pai me mataria!

No final das contas parecia ser um livro normal, mesmo sendo muito grosso e lacrado. Rackel percebeu que fizera uma tempestade num copo d'água. A idéia de que ele tinha alguma ligação com os pesadelos subitamente lhe pareceu ridícula. Mal acreditava que chegou a considerar tal hipótese.

_Quer saber de uma coisa, Rádiki? _disse mais tranqüila. _Vamos preparar as coisas para vermos o alinhamento das três luas! Eu passei quase a tarde toda no meu quarto escrevendo sobre a Carolina e falta muito pouco para o fenômeno começar. Esse livro já causou confusão demais por hoje.

_É por isso que eu odeio livros, mina! Quer que eu o jogue lá em cima dinovo? Ou melhor, no lixo?

A moça abraçou o livro.

_Você não aprende mesmo, não é? Já disse que não podemos danifica-lo! Vou guarda-lo na biblioteca onde ele deve ficar, bem longe de você!

_Eu poderia chorar, mas sinceramente não dou a mínima...

De repente, uma forte corrente de ar viajou por todo o salão bagunçando as madeixas da moça. O susto foi inevitável.

_Quê foi isso?!!!

O pilar, sobre qual o livro estava depositado antes, brilhava intensamente a ponto de impedir que ambos enxergassem. Ambos taparam os olhos com as mãos, mas o brilho parecia atravessa-las. Uma forte corrente de ar soprava como se quisesse arranca-los do chão enquanto objetos caiam ou eram jogados contra a parede. O brilho e o vento cresciam cada vez mais, numa velocidade muito maior do que eles podiam compreender. Um barulho ensurdecedor impediam que ouvissem seus próprios gritos. Então, a tormenta atingiu o ponto mais alto e todos foram atirados ao chão. Tudo acontecera rapidamente sem que Rackel ou Rádiki tivessem tempo para sentir medo ou sequer entender o que realmente estava acontecendo. Por fim a tempestade cessou tão de repente quanto começou. Algo surpreendente acontecera.

Rackel estava de bruços no chão. Ainda de olhos fechados, notou que agora ele agora estava coberto de folhas e areia. Ao abrir os olhos, percebeu que não estava mais no salão proibido. Estava numa floresta, no meio da noite...Não sabia quê acontecera e nem onde estava...Mas dentro de si sabia que estava muito, muito longe de casa...