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domingo, 4 de julho de 2010

III - O livro sem nome.


Dana desaparecera e Kolt passaria a enfrentar a batalha mais difícil de sua vida Subitamente, a ausência de sua irmã passa a contracenar com um segundo fato. O monumento misterioso brilhou intensamente e trouxe algo além do tempo. Quando o clarão cessou, Kolt correu o mais rápido que suas pernas permitiram em direção ao pilar até que...No entanto, para entender o que realmente estava acontecendo, seria necessário viajar no tempo mais uma vez. Seria necessário avançar até a era de Rackel Casanova, o ano 2100d.m.(Presente).


Rackel estava debaixo do chuveiro procurando relaxar o máximo possível após despertar de um típico pesadelo. A péssima noite de sono a fez permanecer no banho refletindo nas últimas duas horas. Por um longo tempo litros incontáveis de água e lágrimas desceram pelo ralo levando consigo um pouco de suas mágoas que nunca paravam de acumular. O banheiro se transformara numa verdadeira sauna, mas isso não chegava a quebrar a sua concentração. Só conseguia pensar naquele estranho sonho que a pertubava. O pesadelo no qual ela despencava de um abismo sem fundo por toda a eternidade até que despertava apavorada. Quase sempre as noites terminavam assim e essa situação tornara-se insuportável.

_Dinovo..._pensava enquanto massageava os cabelos com shampoo. _...o mesmo sonho, quase todas as noites! Por que? Por que eu sempre despenco? Por que alguém sempre me empurra? Quem é aquela pessoa?

Procurava sentir a água morna escorrer pelo seu corpo como se fosse uma espécie de agente purificador. Sentou-se no piso de cabeça baixa, abraçou as pernas em busca de proteção e deixou que as milhares de gotículas fizessem o seu trabalho. O seu estômago parecia estocar uma tempestade de inverno e suas lágrimas eram a própria neve. A moça sentia-se muito só e cheia de dúvidas. Somente três horas depois encontrou coragem para desligar o chuveiro. Secou-se lentamente ainda perdida em seus pensamentos, enrolou a toalha no corpo e foi para seu quarto. Observou-se minuciosamente no grande espelho com molduras douradas e pensou:

_Estou horrível...é a mesma face, o mesmo corpo e os mesmos olhos azuis...Mas está tudo tão horrível...tão vazio e opaco...

Apalpou o rosto lentamente como se buscasse alguma imperfeição. O vazio dentro de si parecia consumi-la por inteiro. Naquela manhã o espelho se declarara seu pior inimigo. Estava prestes a entrar em depressão e enquanto vestia sua calça jeans e sua camisetinha rosa surgiu uma dúvida em sua mente...seriam saudades de Asgard?

Rackel era o que o mundo moderno conhecia como hiperdotada, ou seja, uma menina com dons tão fenomenais que ultrapassavam os limites das pessoas comuns ou até mesmo dos gênios superdotados. Sua mente era muito avançada, capaz de aprender qualquer coisa em poucas horas, seja falar um idioma estrangeiro ou tocar um instrumento musical com virtuosismo. A sua capacidade absurda de processar informações complexas rapidamente a tornou conhecida como a aluna mais inteligente de Asgard. Mas o que a tornava extremamente especial era a sua capacidade de aprender os dons de outros hiperdotados. Graças a isso, sua lista de dons era bem extensa e poderia ser ainda maior. Na realidade seus dons eram tão especiais que a proibiam de levar uma vida normal como qualquer moça de sua idade e isso a deixava muito infeliz de vez em quando. Foram poucos os anos em que Rackel podia se misturar com as pessoas comuns, mas quando seus dons mostraram-se evidentes o seu pai não teve escolha a não ser afasta-la de tudo e de todos. Isso causou um efeito colateral na moça, que não conseguia fazer mais amizades mesmo no Complexo Educacional para Fenômenos, onde os jovens eram um pouco mais parecidos com ela. Rackel tornou-se uma moça distante e com dificuldades para confiar nas pessoas. Inteligente, bonita, rica e inalcançável.

A Terra de Alhetra era infestada de hiperdotados como Rackel e no entanto poucos estavam preparados para aceitar essa realidade. Por isso, qualquer casal que concebesse uma criança hiperdotada deveria mante-la no mais absoluto sigilo e entrar em contato com as autoridades. Esse era um padrão que todos seguiam automaticamente, mesmo tratando-se de um tema pouco discutido. Caso a criança realmente tivesse um dom especial, o governo a mandava para um dos Complexos Educacionais para Fenômenos, verdadeiros internatos de onde o hiperdotado só sairia depois de adquirir total domínio sobre seu dom. Rackel e Rádiki experimentavam essa sensação de liberdade após muitos anos estudando no Complexo Educacional para Fenômenos de Asgard, uma ilha rochosa longe do continente. Rackel não estudou ali a toa, pois a ilha de Asgard era propriedade de Anástase Casanova, seu pai. Lá, hiperdotados de todo o mundo recebiam uma orientação especializada que jamais receberiam em um colégio comum enquanto preparavam-se para ter um papel ativo na sociedade. Do contrário, os jovens hiperdotados tornariam-se adultos frustrados e prontos para causar o caos pelo mundo, ou nas palavras dos oficiais de Asgard, eles eram como uma bomba relógio que deveria ser desativada.

Na verdade, Anástase Casanova não era apenas o dono da ilha de Asgard, mas também foi o homem que deu o pontapé inicial para que as CEFS(Complexos Educacionais para Fenômenos) se tornassem uma realidade. Fora o homem que criou o projeto dos CEFS e fez deles verdadeiras minas de ouro. Era um homem muito culto cujo as principais paixões eram a arquitetura, engenharia, história e a arqueologia. Curiosamente era um homem de sucesso em todas essas áreas que não parava de enricar, mas nunca fora um pai muito presente na vida de Rackel. Depois da morte de sua mãe, a moça e o pai se distanciaram cada vez mais até perderam completamente o contato. Dr. Casanova estava no longínquo continente de Sagitta, em uma expedição que buscava por artefatos arqueológicos enquanto sua filha sonhava com um dia em que ele tivesse tempo para passarem juntos. Essa distância a irritava profundamente o que de certa forma era algo bem positivo, pois significava que ainda existia amor por parte dela apesar de tudo.

Asgard consumia tanto o tempo de Rackel que, já com 14 anos, jamais chegou a ter um namorado. Não que ela já fosse velha demais para isso, mas nos tempos atuais é comum que os jovens comecem a namorar com menos idade. Era natural que Rackel se sentisse cobrada pela sociedade moderna assim como qualquer adolescente normal. Tinha longos cabelos lisos e vermelhos, uma pele clara como a neve, olhos azuis como o céu do meio-dia e uma voz agradável de se ouvir por horas e horas. Apesar de sua beleza rara, suas experiências amorosas somavam zero. Ela estava disposta a mudar isso agora que ficaria alguns meses longe de Asgard.

Após passar mais algumas horas se arrumando diante do espelho, a moça pediu pelo telefone que Severino lhe preparasse um café da manhã reforçado. Aquilo certamente levantaria o seu astral. Enquanto isso ela procurava desabafar suas mágoas digitando poemas em seu computador. A grande maioria deles falava sobre solidão, isolamento ou desprezo. Nesses momentos sentia o quanto Carolina era importante em sua vida.

_Ela é como um espelho! _refletiu. _Um espelho que reflete os sentimentos mais ocultos do meu coração! Ela também me simboliza, pois é tão especial e tão desprezada ao mesmo tempo. Ela me compreende como se fosse eu mesma...

Mais algumas horas depois, a moça desligou seu computador e saiu do quarto. Olhou para os vários quadros pendurados no corredor e os admirou por alguns minutos, pois a arte também exercia um poder fantástico sobre ela. Aproveitou para olhar pela janela e viu que já era de tardinha. Em seguida desceu as escadas e foi até a sala de jantar. Lá aguardava Severino que puxou uma cadeira num gesto cordial para com a moça.

_Sente-se, senhorita. _disse. _Hoje preparei algo especial que a deixará radiante!

Rackel o olhou curiosa.

_Algo especial? _disse enquanto sentava-se.

_Sim.

Severino foi até a cozinha e voltou com um bolo de fubá em uma bandeja. Era um bolo muito simples na verdade, mas que causava um efeito mágico na moça. Rackel mal pode conter-se diante daquele bolo e fez questão de cortar o primeiro pedaço. Ao dar a primeira mordida, finalmente conseguiu dar seus primeiros sorrisos naquele dia. Severino a olhou com satisfação.

_Sabia que daria certo! _gabou-se o mordomo. _A senhorita sempre sorria quando lhe servia este bolo. Essa receita nunca deixou de lhe arrancar alguns sorrisos, senhorita! Eu poderia lhe oferecer um outro bolo majestoso ou mais caro, mas desde criança sempre gostou das coisas mais simples. As meninas ricas não costumam ser assim! Já se enche de alegria com um simples bolo de fubá!

Rackel já levava uma vida cheia de complicações, por isso procurava simplifica-la sempre que possível. Isso valia tanto na hora de se vestir quanto na hora de comer.

_Mas é claro! Como posso ficar triste diante dessa delícia? _Rackel serviu-se educadamente de um copo de suco e acrescentou _Agradeço de coração, Severino! Mas como sabia que eu estava triste?

_E eu não lhe conheço, senhorita? Passou praticamente o dia inteiro no seu quarto...sei quando está magoada com a vida! Mas seja paciente, menina! Sua felicidade não esta tão longe quanto pensa. Você é tão boa com as pessoas, então a vida lhe recompensará um dia.

_Severino...

Só haviam três pessoas que Rackel se apegava no mundo: Severino, Rádiki e o seu pai. O mordomo cuidou dela durante toda sua infância e costumava visita-la em Asgard. Rádiki era o único amigo, o irmão que ela nunca teve que a amava sem se importar com o seu dinheiro ou sua beleza. O Dr. Casanova a amava muito, mas era muito ocupado e dificilmente eram vistos juntos. Por isso, diante de qualquer demonstração de carinho, a moça desmanchava-se em lágrimas.

_Não chore, menina! Pense no bolo de fubá!

_É verdade..._disse enquanto enxugava uma lágrima. _...esta delicioso, obrigado!

Porém, seria injusto dizer que o seu pai a desprezava. O Dr. Casanova estava tão preocupado com os instintos adolescentes de sua filha que deixou ordens explícitas proibindo-a de sair da mansão. Ele já previa que a moça queria correr atrás de um namorado por toda a cidade de Bares e poderia ser facilmente enganada por certos rapazes de má fé. Estava tão disposto a defender sua filha desses aproveitadores que não permitia que nenhum homem trabalhasse em sua mansão, com exceção de Severino e o chofer. E depois ela era uma hiperdotada e ainda não estava pronta para ter uma vida social. Essa atitude tão radical do seu pai a deixava triste, mas jamais pensava em contrariai-lo. O máximo que Rackel poderia fazer era passar o dia inteiro caminhando por sua imensa propriedade na companhia de empregadas em que ela não confiava. Ela não sentia apenas a falta de um pai ou um namorado, mas também de uma amiga para quem pudesse contar todos os seus segredos, pois certas coisas jamais poderiam ser discutidas com um homem, nem mesmo com Severino!

A refeição de Rackel fora interrompida pelo som da campanhia. Alguém a apertava sem parar como se gostasse bastante do som por ela emitido. Mas por mais interessante que o som fosse, era impossível não irritar aqueles que estavam no interior da residência. Somente uma pessoa acharia graça naquilo:

_Deve ser o Rádiki! _deduziu a moça. _Por favor, vá recebe-lo!

_Tem certeza, senhorita? Posso expulsá-lo daqui para sempre se assim você quiser!

_Não!!!

_Muito bem..._disse o mordomo decepcionado. _Vou recebe-lo, senhorita! Mas por favor, não peça para mim outra rodada de chá! Lembra-se do que aconteceu da última vez?

_Nisso eu até concordo com você, Severino! Mas nem pense em destrata-lo, entendeu?

O mordomo foi até a porta sem disfarçar a sua má vontade, mas ao chegar até ela notou que o rapaz já aguardava dentro da casa. Certamente esse comportamento lhe pareceu abusivo, mas não pode fazer nada a não ser conduzi-lo até a cozinha e oferecer-lhe uma cadeira, retirando-se logo depois.

_Sabia que era você! _disse Rackel. _Sente-se e coma um pedaço de bolo, a menos que prefira algo mais forte!

Rádiki jogou bruscamente suas nádegas na cadeira, arrastando-a um pouco e causando um barulho estridente e perturbador.

_Relaxa! Estou sem fome, mina! _o rapaz deu uma bela olhada pelo cômodo como se procurasse algo. _Tem mais alguém aqui na mansão?

_Somente eu e Severino! Por que?

Em seguida, Rádiki aproximou mais o seu rosto da moça e cochichou:

_Precisamos conversar em particular!

A moça estranhou o seu tom.

_Então diga! _disse. _Não se preocupe, Severino não está escutando atrás da porta!

_Não me importo com isso, mas não é uma coisa fácil de se contar, mina!

_Sabe que pode confiar em mim, não sabe?

_Certo...É que tem algum troço errado na minha cabeça...tenho suportado isso por meses...mas não consigo mais!!

O rapaz levou as mãos a cabeça tamanho o seu nervosismo. Parecia que Rackel não era a única que estava num péssimo dia. Após consola-lo, Rackel procurou arrancar aquele peso das costas do amigo. Ela parecia sentir a angustia do rapaz como e fosse a sua própria angustia. Ironicamente seus sentimentos não estavam nem um pouco longe da realidade.

_Não se preocupe, Rádiki! Estou aqui para lhe ajudar, então diga-me o que tem de errado com a sua cabeça!

_Sonhos...

_Como?!!! _o coração da moça disparou. _Está tendo pesadelos? Como são?

_É horrível!! Não me lembro de muitos detalhes...me lembro de um abismo sem fundo...e de repente alguém me empurra e eu despenco...até que eu acordo com o coração na boca! É só disso que me lembro! Sinto um vazio muito grande dentro de mim, Rackel! Será que estou ficando louco?!!!

Rackel ouviu tudo boquiaberta, pois também tivera pesadelos parecidos nos últimos meses. Ela também ficava confusa e perdida em seus pensamentos em busca de respostas. Era por isso que passava horas no banho. Ela sabia exatamente como Rádiki se sentia e conhecendo-o como conhecia percebera que sua situação era muito complicada, afinal Rádiki não era o rapaz mais sentimental do mundo.

_Também tenho pesadelos assim! _confessou a moça. _Acho surpreendente, uma grande coincidência, mas não sei que está acontecendo e muito menos como lhe ajudar!!! Como nos ajudar, Rádiki!

Rádiki lançou um olhar assombrado.

_Você também?_ e após refletir por alguns segundos, acrescentou. _Isso é assustador...mas agora que me disse...talvez não seja uma coincidência! Se nós dois estamos tendo esses pesadelos...com certeza não é coincidência!!

_Que quer dizer?

_Não sei ao certo.. só uma suspeita...algo relacionado a Asgard! Sempre achei aquele lugar muito esquisito e misterioso!

_Como assim? Acha que fizeram algo estranho conosco lá? _a moça não pode conter o riso. _Não sei de onde tirou isso, mas duvido muito, Rádiki! Asgard é um Complexo Educacional e não um laboratório! Acha mesmo que fariam algo com nossas mentes sem que percebêssemos? Você realmente detesta estudar lá, não é?

_Eu disse que era só uma suspeita! Não precisa vir com essa cara de sonsa para cima de mim! Mas se você tem outra suspeita, então pode dizer!

Neste momento Severino entrou na cozinha sem dizer absolutamente nada e dando um belo susto em todos. Mas antes que Rackel pudesse dizer alguma coisa, o mordomo simplesmente entrou na conversa, contrariando as expectativas da moça.

_Sinto muito, senhorita! Mas não pude deixar de ouvir a sua conversa com o garoto perrapado...

_Ei!!! _interrompeu Rádiki. _Nunca ouça o papo alheio atrás da porta, coroa! E não me chame de garoto!!

_Tudo bem, Severino! _disse Rackel que nunca se cansava do atrito entre eles. _Não tenho segredos para você, mas quer me dizer algo?

_Muitas coisas, senhorita! É uma história um pouco longa...

A moça fez um gesto para que o mordomo se sentasse.

_Amo histórias! Pois comece então!

Sentou-se e pareceu empolgado com os olhares curiosos que o cercavam. Mesmo Rádiki, sempre desinteressado, agora era só concentração.

_Senhorita..._iniciou o mordomo...sabe que seu pai é um grande colecionador de artefatos arqueológicos e que costuma trazer certos objetos de suas viagens, não sabe? Ele faz isso desde que você era apenas um bebê e depois de anos e anos acumulando objetos dos mais variados, decidiu guarda-los naquela sala reservada perto da biblioteca.

_Eu sei. _concordou a moça. _O salão proibido onde estão guardados os lixos do meu pai!

De lixo aquele salão não tinha nada. Lá estava uma imensa coleção de armaduras, pergaminhos antiquíssimos, amuletos e outros artefatos arqueológicos de valor inestimável. Coisas que o Dr. Casanova encontrava em suas expedições pela Terra de Alhetra e procurava guardar de recordação ou simplesmente por vaidade. Mas para Rackel eram símbolos da enorme distância entre ela e seu pai, por isso as desprezava.

_Essa mesma..._continuou Severino._...certa vez seu pai retornou de viagem com um livro muito grosso e velho. Ao me mostra-lo, não pude deixar de notar no cadeado dourado que o lacrava, muito belo por sinal! Seu pai parecia muito fascinado e passava horas trancado na biblioteca com o livro. Confesso que nunca o vi lendo, mas algumas semanas mais tarde me pediu que o guardasse no salão proibido e para jamais abri-lo. Estranhei muito, pois geralmente me pediria para guarda-lo na biblioteca. Pelo que me parece, seu pai estava disposto a esconde-lo do mundo inteiro, embora eu não saiba dizer por quê.

Rádiki e Rackel esperavam ouvir outra coisa, pois o tema da conversa anterior não se encaixava nem um pouco com o novo.

_Muito estranho..._disse Rackel pensativa..._mas por que está nos contando isso?

_Isso aconteceu a 13 anos e no entanto lembro-me como se fosse ontem...Por curiosidade, certa vez perguntei ao Dr. Casanova se gostara da leitura. Querem saber o que ele me respondeu?

Os jovens confirmaram com a cabeça.

_Chegamos ao ponto principal da minha história! Ele me disse, nitidamente alterado, que simplesmente odiara o livro! Era tão ruim que causara sonhos terríveis que o impediram de dormir por duas semanas seguidas!! Tratava-se de um livro amaldiçoado de uma civilização extinta a milênios, mas seu pai não quis me dar muitos detalhes sobre isso. Por fim insistiu que ninguém deveria tentar abri-lo ou sequer aproximar-se dele. Segui suas recomendações e meses mais tarde eu sequer me lembrava da existência do livro.

Todos aquietaram-se como se alguma dúvida estivesse no ar, até que Rádiki quebrou o silêncio:

_E qual é a moral? Que está tentando nos ensinar, coroa?

_Nada!

_Como assim nada?

_Não quis lhes ensinar coisa alguma! Apenas ouvi vocês conversando sobre pesadelos, abismos sem fundo...me dei conta de que já ouvi essas palavras antes! Foi seu pai, Rackel, que a 13 anos atrás passou a ter esses mesmos pesadelos! Ele também ficava deprimido assim como vocês. Teriam vocês lido o livro?

_Não! _disse Rackel com convicção. _Ultimamente só leio livros de astronomia e os meus poemas melancólicos. Carolina e o meu computador têm sido meus maiores refúgios da solidão.

_E eu nem gosto de ler! _acrescentou Rádiki com grande desgosto. _Talvez um gibi...mas para mim os livros são um saco!! Eu fico pensando nesses idiotas que passam horas escrevendo, escrevendo, escrevendo... Não sei como eles agüentam!! Primeiro eles fazem um rascunho, depois transformam o rascunho em textos gigantescos, depois resumem tudo e quando você vai ver o livro é um rascunho de um rascunho porque eles começam tudo dinovo!!! Qual é o problema deles? Os tiozinhos da escola falam que eles são gênios com uma mega explosão de idéias, mas no fundo são só um bando de desocupados. Quando eles gostam de uma mina não dizem nada para ela, mas quando pegam no lápis acontece a tal explosão de criatividade. Para mim isso se chama outra coisas e eu acho que eles deveriam se matar!!!

Rackel não conseguiu esconder a sua gargalhada.

_Isso é bem típico de dele. _disse Severino que não achou a mínima graça.

_Tô nem aí, coroa!

Mas mal passou-se o momento de descontração e a mente de Rackel trabalhava a mil por hora. Nunca vira tal livro em toda a sua vida e não acreditava que tivesse qualquer ligação com seus pesadelos, mas mesmo assim estava bem interessada nele.

_Então o meu pai queria esconde-lo de todos?

_Sim! _afirmou Severino. _Talvez tenha sido uma péssima leitura, daquelas que não se deseja nem para seu pior inimigo!

_E qual era o nome do livro, Severino?

_Era um livro sem nome! Lembro-me de sua capadura azul e do belo cadeado dourado que o lacrava, mas tenho certeza de que não tinha título.

_Quem sabe um autor?

_Hum..._o mordomo refletiu por vários segundos e disse. _...sinceramente não me recordo! Sobre a existência de um autor eu não tenho certeza, mas insisto em dizer que o livro não tinha nome! Era um livro misterioso!!

_Quê está sugerindo, Severino? Acha que a real causa de nossos pesadelos está no tal livro? Eu não vejo como...

O mordomo negou com a cabeça exibindo um enorme sorriso.

_Repito mais uma vez! _disse. _Não estou ensinando, recomendando, insinuando ou sugerindo nada! Apenas relatei fatos semelhantes aos que caem sobre vocês no momento! Perdoem-me se infestei ainda mais suas mentes de dúvidas! _em seguida levantou-se. _Há algo mais que queira me perguntar, Srta. Rackel? Se não se importa, preciso cuidar dos meus afazeres!

A moça o olhou confusa. Certamente tinha centenas de dúvidas, mas que provavelmente seu mordomo não seria capaz de resolve-las. Não fazia sentido roubar ainda mais o seu tempo.

_Está livre, Severino.

Cordialmente, Severino os comprimentou e retirou-se do cômodo. Rackel e Rádiki se entreolharam, aguardando que alguém dissesse algo. O clima ficara inevitavelmente sombrio e houve uma grande dificuldade em mudar de assunto por ambas as partes. Ainda que duvidassem da sua ligação com os sonhos, eles só conseguiam pensar no livro sem nome. Por isso, Rádiki optou pela transparência no final das contas:

_Sei que está pensando na mesma coisa que eu!

Rackel esperou que ele terminasse de falar.

_Não negue, mina! _prosseguiu com habitual arrogância. _Está com tanta vontade de ver aquele livro quanto eu.

Ela ainda permaneceu em silêncio.

_Se não disse nada é porque acertei na mosca. Então vamos pular aquela parte em que você rejeita as minhas idéias e vamos logo até o famoso salão proibido pegar a droga desse livro!

_Tudo bem, eu não vou negar!!! _admitiu com raiva. _Mas não acho que seja uma boa idéia mesmo assim...

_Rackel!! Na sua biblioteca existem milhares de livros sobre uma renca de assuntos e apenas um livro recebeu atenção especial! De todos, somente ele foi deixado no salão proibido! Somente ele foi rejeitado pelo seu chefe! Não gostaria de saber por quê? Não quer saber a causa de nossos pesadelos?

_Nossa, Rádiki!! Eu esperava que você fosse o último a acreditar nessa conexão!

_Precisamos botar a culpa em alguém, então que seja no livro do seu pai!

_E é assim? Que maneira eficiente de se resolver as coisas!

A moça levantou-se e passou a perambular pela cozinha. Estava nervosa, pensativa e indecisa. Não sabia se pegava o livro ou se o esquecia de vez. Mas também estava curiosa! Queria saber por que seu pai o escondeu no salão proibido ao lado de outros objetos insubstituíveis e não na biblioteca. Queria ler o seu misterioso conteúdo para julgar se ele realmente tinha alguma ligação com seus sonhos. Queria saber o por que do seu pai te-lo detestado tanto a ponto de isola-lo do resto do mundo. Enfim, após umas vinte voltas ao redor da mesa, a curiosidade acabou vencendo a indecisão. Parou diante de Rádiki e disse com absurda firmeza:

_Vamos! Mas digo desde já! Essa idéia é um tremendo erro e não assumirei nenhuma responsabilidade por quaisquer conseqüências que possam surgir, entendeu?

_Firmeza, mina!

Ambos se dirigiram ao salão proibido, localizado no mesmo corredor onde ficava a biblioteca. Mal penetraram nele e se depararam com a enorme coleção de artefatos arqueológicos do Dr. Casanova. Haviam armaduras medievais que pareciam ter vida própria, escudos pendurados nas paredes, armas de todos os tipos e épocas, ossos de dinossauros, esculturas preistóricas e rochas com runas pintadas por toda sua extensão. Era um verdadeiro museu com elementos de todas as eras conhecidas e que nunca parava de crescer, graças as constantes andanças do pai de Rackel pelo mundo. Rádiki observava tudo sem esconder o seu assombro e a moça o seu desprezo.

Como Severino dissera, o livro fora achado a treze anos atrás, por isso a moça deduziu que ele estaria guardado no fundo do salão como todos os outros objetos mais antigos da coleção. Após uma rápida olhada pelo salão, Rádiki o avistou:

_Veja! _disse enquanto apontava com o dedo. _Será aquele em cima da grande escultura. Minha nossa...como ela é feia!!! O seu pai gosta de coisas bem esquisitonas, não acha?

A moça riu.

_Não é uma escultura, bobo! Acho que é um totem ou um pilar de um templo...de uma civilização clássica, talvez! Nem meu pai sabe ao certo de qual!

_Isso é só entulho, mina!

O pilar tinha por volta de dois metros de altura. Foi necessário que Rádiki desse alguns saltos para pegar o livro e entrega-lo para a amiga que o examinou sem disfarçar um leve nervosismo. Realmente tinha uma capa azul e tanto capa quanto livro eram grossos, de no mínimo duas mil páginas. Como o mordomo descrevera, estava lacrado com um belo cadeado dourado.

_Kiorra..._leu Rackel. Era um minúsculo nome escrito no lado inferior da capa.

_O coroa disse que era um livro sem nome! Kiorra é um título bem zoado, não acha?

_Não! Não acho que esse seja o nome do livro, Rádiki! Parece mais um diário! Deve ser o nome do autor!

_É sério? _disse Rádiki com ironia. _E quando é que você vai abrir isso?

_Não vê que está lacrado?

_E daí? Eu quebro esse cadeado rapidinho, quer ver?

_Está louco? Não quero danifica-lo! Meu pai me mataria!

No final das contas parecia ser um livro normal, mesmo sendo muito grosso e lacrado. Rackel percebeu que fizera uma tempestade num copo d'água. A idéia de que ele tinha alguma ligação com os pesadelos subitamente lhe pareceu ridícula. Mal acreditava que chegou a considerar tal hipótese.

_Quer saber de uma coisa, Rádiki? _disse mais tranqüila. _Vamos preparar as coisas para vermos o alinhamento das três luas! Eu passei quase a tarde toda no meu quarto escrevendo sobre a Carolina e falta muito pouco para o fenômeno começar. Esse livro já causou confusão demais por hoje.

_É por isso que eu odeio livros, mina! Quer que eu o jogue lá em cima dinovo? Ou melhor, no lixo?

A moça abraçou o livro.

_Você não aprende mesmo, não é? Já disse que não podemos danifica-lo! Vou guarda-lo na biblioteca onde ele deve ficar, bem longe de você!

_Eu poderia chorar, mas sinceramente não dou a mínima...

De repente, uma forte corrente de ar viajou por todo o salão bagunçando as madeixas da moça. O susto foi inevitável.

_Quê foi isso?!!!

O pilar, sobre qual o livro estava depositado antes, brilhava intensamente a ponto de impedir que ambos enxergassem. Ambos taparam os olhos com as mãos, mas o brilho parecia atravessa-las. Uma forte corrente de ar soprava como se quisesse arranca-los do chão enquanto objetos caiam ou eram jogados contra a parede. O brilho e o vento cresciam cada vez mais, numa velocidade muito maior do que eles podiam compreender. Um barulho ensurdecedor impediam que ouvissem seus próprios gritos. Então, a tormenta atingiu o ponto mais alto e todos foram atirados ao chão. Tudo acontecera rapidamente sem que Rackel ou Rádiki tivessem tempo para sentir medo ou sequer entender o que realmente estava acontecendo. Por fim a tempestade cessou tão de repente quanto começou. Algo surpreendente acontecera.

Rackel estava de bruços no chão. Ainda de olhos fechados, notou que agora ele agora estava coberto de folhas e areia. Ao abrir os olhos, percebeu que não estava mais no salão proibido. Estava numa floresta, no meio da noite...Não sabia quê acontecera e nem onde estava...Mas dentro de si sabia que estava muito, muito longe de casa...









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