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domingo, 4 de julho de 2010

IV - Que se inicie a lendária busca.


Rackel levantou-se e observou o ambiente com um olhar estupefato. Agora estava no meio de uma floresta, no meio da noite e sozinha...Sim! A luz das três luas era suficiente para observar o ambiente apesar da escuridão, mas a primeira vista não havia nada ali além de árvores. Ela não avistava Rádiki em lugar algum, apesar que este ao seu lado estava a poucos segundos atrás. Chamou por seu nome várias vezes, mas não obteve resposta. Gritou com toda a força que seu peito pode suportar e consequentemente não lucrou nada com isso. Se perguntava como chegara ali, pois sabia que no salão proibido não havia floresta alguma. O ar fresco típico de ambientes externos e outras estranhas sensações sugeriam, ou melhor, impunham justamente uma idéia contrária A moça ficara sem ação.
Poucos passos adiante avistara o livro jogado no chão, isso somente depois de recuperar a razão após tremenda experiência. Com o susto e o caos da tormenta ela provavelmente o deixou cair. Instintivamente Rackel foi em sua direção como se fosse um objeto indispensável. Pegou-o delicadamente para examina-lo e felizmente não fora danificado, embora seu estado fosse o menos importante naquele momento. Em seguida tentou observar o cenário com mais calma e recapitular os fatos.
_Que lugar é esse? _pensava consigo enquanto abraçava o livro. _Quê está acontecendo? Oh...quê isso faz aqui?
Viu a sua esquerda o pilar. Poderia ser o mesmo? Por hora a moça não tinha motivos para pensar que sim. Por outro lado era idêntico ao monumento do salão proibido. De alguma forma sabia que ele era o culpado daquela situação. Aproximou-se meio apreensiva com a probabilidade uma nova tormenta e o observou antes de qualquer contato mais íntimo. Depois sem medo Rackel o apalpou e tentou sacudi-lo como se descontasse nele todos os seus problemas, no entanto tudo fora em vão.
Então imaginou que talvez estivesse no jardim de sua mansão. De fato, ele lembrava bastante uma floresta. Supôs que de uma maneira bem estranha a tormenta a jogou pela janela até o jardim. Ainda que essa teoria parecesse tirada de uma história da carochinha, para Rackel não existia uma explicação mais lógica. Olhou para o céu e viu entre as folhagens que o alinhamento das três luas já havia começado. Não sabia ao certo o que acontecera, mas sabia que devia voltar para casa para assistir o fenômeno como combinara com Rádiki, independente do fato extraordinário que acabara de lhe ocorrer. Já preparava-se para explorar melhor o local quando sentiu que alguém lhe observava. Foi quando olhou para trás e viu um garoto com uma espada de bambu em punho. Jamais o vira antes.
_Quem é você?!! _perguntou a moça assombrada. _Quê pensa em fazer com esse bambu?!!
O garoto aproximou-se cautelosamente, sempre com a espada em punho. Nitidamente ele também parecia agitado com a presença dela.
_Quem sou eu? _disse ele com ódio. _Eu é que te pergunto! Diga-me quem és e o que fazes aqui? Nunca a vi na minha ilha antes e quero uma explicação agora!!
Quando ele chegou bem perto, a moça pode vê-lo melhor e levou o maior susto de sua vida. Tratava-se de um sujeito extremamente esquisito. Sua pele era pálida como de um vampiro, seus cabelos eram azuis e seus olhos verdes brilhavam no escuro como os de um felino. Sua estatura não era maior do que um metro e meio e suas roupas já estavam fora de época, além de estarem bem surradas. Na verdade as veste daquela criatura não eram nada mais do que trapos mesmo. Parecia uma espécie de selvagem e seus olhos estavam cheios de cólera.
_Vamos!! _gritou ele. _É melhor que digas ou provarás de minha ira!!
A moça conseguiu recompor-se do susto. Ela como hiper dotada não deveria surpreender-se tanto com certas anomalias. Além disso, não estava disposta a seguir ordens de alguém aparentemente mais jovem do que ela e procurou mostrar-se segura:
_Um menino... você não deveria estar dormindo, pirralho? É melhor voltar para casa antes que o bicho papão venha te pegar! Sem contar que eu vi uma criatura do inferno agora a pouco louca para levar um menino malcriado para debaixo da terra.
O menino se irritou ainda mais:
_Não me trate assim!! Saibas que sou um grande guerreiro e não terei pena de matar uma bruxa como tu!
_Mal educado! Mas afinal de contas, quem é você? Ou quê é você e por que fala nesse sotaque incomum?
_Tu deves me dizer primeiro!
Ambos se encararam sem sequer piscar. Mas Rackel não planejava perder tempo, pois o alinhamento das três luas já havia começado. Queria voltar para casa o mais rápido possível para reencontrar Rádiki e guardar o livro. Talvez aquele menino fosse apenas um dos tantos desabrigados que faziam bicos para seu pai por uma quantia que julgavam generosa. Ou então fosse algum parente de qualquer outro empregado. O fato era que Rackel não estava nem um pouco afim de prolongar qualquer discussão com aquele estranho menino.
_Vejo que não quer responder as minhas perguntas. _disse tranqüilamente. Como o menino não moveu um dedo, ela deu as costas e tomou o seu rumo dizendo: _Se é assim então eu vou embora! Adeus pirralho!
Porém, ao contrário da moça, ele realmente queria respostas e não a deixaria em paz até consegui-las. Com uma agilidade estarrecedora típica de um hiper dotado, o menino saltou por cima de Rackel sem ao menos toca-la e pondo-se a frente de seu caminho. Dessa vez o susto foi ainda maior, pois Rackel não esperava que ele fosse um hiper dotado daquele nível. Se ela quisesse continuar, teria que passar por cima do moleque.
_És muito corajosa para uma mulher! _disse ele lhe apontando a espada. _Por acaso és uma feiticeira? Diga-me o que fez com Dana e talvez eu lhe deixe viver!!
Rackel piscou confusa. Mas rapidamente deduziu que fosse alguma brincadeira de criança, algo do tipo “náufrago guardião de princesas”.
_Sai do meu pé, pirralho!
Novamente ela lhe deu as costas e caminhou na direção oposta. Apesar do segundo susto, Rackel simplesmente ignorou o menino e continuou a procurar sua casa. Em Asgard existiam centenas de outras pessoas "diferentes" como aquele garoto, com os mais variados tipos de anormalidades que ela já estava acostumada. Não que ela já tivesse visto antes alguém com as mesmas características daquele menino, mas naquele momento era o que menos lhe importava. Só queria sair daquele jardim.
Mas ela não sabia que o menino jamais fora desafiado daquele modo antes. Então ele jamais imaginaria que um dia uma moça seria a primeira a faze-lo. De fato, ele teve de reconhecer a sua coragem e percebeu que só iria conseguir as suas respostas se cedesse ao menos uma vez. Suas ameaças eram somente da boca para fora, pois jamais se atreveria a agredir uma menina, ainda mais com uma espada de bambu. Rackel já estava desaparecendo entre o matagal quando ele a chamou:
_Espere!!! _gritou enquanto corria em sua direção. _Não vá embora!!!
Ela parou, mas continuou de costas para o menino. Nitidamente, Rackel já estava perdendo a paciência. Poucos passos atrás, o menino disse:
_Eu me chamo Kolt de Atlântis! Agora me digas quem tu és!
A moça pôs-se a refletir por alguns segundos, virou-se para ele e disse:
_Se você quer realmente falar comigo então jogue a sua espada. Não sou sua inimiga!
Surpreendentemente, dessa vez o menino não hesitou e deixou que a espada caísse no chão. Realmente desejava um diálogo mais civilizado Agora ele estava desarmado, embora pudesse pegar a espada rapidamente se fosse necessário.
_Quantas exigências! _exclamou. _Será que podes me dizer agora?
Com uma expressão mais simpática, Rackel aproximou-se do menino e o observou melhor. Dessa vez a moça viu algo de muito confortável na criatura. Em seguida contou:
_Sou Rackel e acho que estou perdida!
_Perdida? Como chegaste aqui?
_Para dizer a verdade nem eu mesma sei... Eu moro na mansão Casanova, sabe como chegar até lá?
Kolt fez uma careta horrível e a moça logo percebeu que ele não fazia idéia do que ela estava falando. Optou por fazer outra pergunta:
_Pelo menos sabe me dizer onde estamos? Assim eu poderei voltar para casa por minha conta mesmo! Estamos perto dos jardins leste? Hum... não! De lá não é possível ver as luas graças as folhagens... quem sabe o jardim norte?
_Voltar para sua casa? _disse ele tentando imitar o sotaque dela. _Queres saber onde estamos? Estamos numa ilhota perdida no meio do oceano que sequer tens nome! Não sei onde fica tua casa, mas com certeza não fica perto daqui!
Rackel riu.
_Você deve ser desses menininhos que vivem num mundo de fantasias cheios de monstros e amigos imaginários! Eu falo sério, pirralho! Não tente me prender mais aqui. Eu tenho muitas coisas para fazer. Decerto estou no jardim da minha casa... Será que cai da janela?
_Não sou mentiroso! Se ficares quieta ouvirás o som do mar batendo contra as rochas na praia!
Inconscientemente, Rackel acabou seguindo o conselho do menino e seu coração disparou quando ouviu o som do mar. Ela sabia que este ficava muito longe da sua casa.
_Não pode ser... _disse abraçando o livro mais uma vez. _Isso é alguma brincadeira? Não estamos na cidade de Bares, Kolt?!!
Este respondeu com outra careta ainda mais feia. Rackel, apavorada, acabou caindo de joelhos no chão. Agora tinha certeza de que estava muito, mas muito longe de casa. Já não sabia como voltar ou se iria voltar algum dia. A tormenta do salão proibido resultou em algo bem mais grave do que ela pensava. Em sua mente circulavam uma infinidade de questões que ainda eram poucas se comparadas as que ainda estavam por vir. Mais do que nunca, Rackel desejava voltar para sua casa e ver seus pouquíssimos entes queridos. Como acontecia sempre que se emocionava, Rackel Casanova discretamente baixou a cabeça e derramou várias lágrimas
Kolt não entendia bem os fatos, mas ficara com pena da menina. Para ele já estava claro que aquela moça não tinha qualquer ligação com o desaparecimento de sua irmã. Como todo bom homem detestava ver uma mulher chorar, ainda mais ele que tinha um coração que sempre clamava por justiça. Decidiu que iria ajuda-la, porém...
_Não chores, Rackel!! _pediu. _Juro que irei ajuda-la a voltar para casa, mas agora eu preciso encontrar Dana. Senão os monstros irão devorá-la e eu viverei o resto dos meus dias em meio a solidão! Ela é tudo que eu tenho!
Rackel levantou a cabeça rapidamente como se lhe despertasse um grande interesse.
_Dana? _perguntou enquanto enxugava as lágrimas. _Quem é ela? Você se referiu a ela com um sentimento forte demais para ser apenas uma fantasia. Você é tão pequeno e já está correndo atrás das meninas?
_ És minha irmã, minha única irmã! Ela desapareceu!! _em seguida apontou para o pilar e disse com ódio. _Talvez o monumento misterioso a tenha levado!! Preciso encontra-la, Rackel!!
Dessa vez era Kolt quem estava ficando alterado. Como aparentemente Rackel era a mais velha, acabou tomando a tarefa de acalma-lo para si. Pediu que se acalmasse e que lhe contasse o que aconteceu. Ao longo dos relatos de Kolt, que fez um pequeno resumo de sua vida com Dana, Rackel foi percebendo que ele realmente vivia como um selvagem na floresta e no entanto não era má pessoa. Obviamente houveram trechos em que ela não acreditou, como o trecho em que Kolt lhe contou que passou mal depois de comer carne de monstro. E outros em que ela nem sabia o que pensar, como quando o menino lhe disse que queria ser um cavaleiro do Reino Sagrado de Hurânia, lugar que ela jamais ouvira falar em toda a sua vida. No entanto, Kolt dissera que fora de lá que viera o monumento que tanto os intrigava e isso poderia ser uma valiosa informação em um futuro próximo. Mas no geral, suas atenções estavam voltadas para o desaparecimento da irmã dele. Rackel era muito solidária por natureza e foi inevitável que se preocupasse com o menino. Era lamentável que sua única irmã desaparecera a tão pouco tempo atrás e era uma estranha coincidência que Rackel aparecera ali quase que ao mesmo instante do desaparecimento. Ela não podia deixar aquele menino tão pequeno abandonado numa hora daquelas.
Em seguida, foi a vez de Rackel contar como começou o seu lado da confusão. Kolt escutou tudo com seus grandes olhos verdes bem arregalados. Mas por um motivo lógico e que logo será revelado, Kolt não entendia absolutamente nada do que Rackel tentava lhe explicar. Ele não sabia quê eram os CEFS, a mansão Casanova ou mesmo um mordomo, mas entendeu mais ou menos o trecho em que Rackel lhe contou sobre o livro e o pilar. Só que no final das contas aquilo não era suficiente para Rackel.
_Entendeu? _perguntou ela no final da história.
_Acho que não... Tu falas de um jeito muito esquisito! Não conheço essas coisas que tu tanto falas! Mas vejo que vens de uma terra bem longínqua mesmo e que sente medo de nunca mais regressar! Não sei como, Rackel, mas te ajudarei com todas as minhas forças!
Kolt sentou ao lado da moça em um sinal de companheirismo e ali ficaram cabisbaixos. Tinham dois grandes problemas para resolver e não sabiam nem por onde começar. A vida deles nunca fora fácil ou comum, mas agora mudava de rumo de uma maneira muito brusca. Eram pessoas de boa fé e mesmo assim estavam sendo castigados pelos deuses injustamente. Tudo o que queriam era estar junto de seus entes queridos e isso já não era mais possível naquele momento. Mas ambos eram valentes e jamais entregariam o ouro sem antes lutar.
_Rackel! _disse Kolt. _Fazes um acordo comigo?
_Um acordo?
O menino levantou-se segurando as mãos da moça, encorajando-a a fazer o mesmo.
_Basta fazeres o seguinte: Tu me ajudaras a encontrar minha irmã e eu te ajudarei a voltar para sua terra!
Rackel se comoveu com o gesto do menino, apesar de que minutos atrás a sua atitude era bem diferente. Ela acabara de ouvir uma das frases mais legais que alguém já lhe dissera.
_Eu aceito, Kolt de Atlântis! _disse com ternura. _ Mas isso não é um acordo e sim uma promessa! Está prometido?
_Prometido!
Então selaram o promessa com um abraço. Apesar das dificuldades que enfrentavam serem grandes, pelo menos já não se sentiam tão solitários quanto antes. Agora tinham alguém em quem confiar e caso um caísse, o outro trataria de levanta-lo. A promessa pareceu lhes causar a sensação de que poderiam enfrentar qualquer coisa juntos. E cada olhar transmitia uma grande segurança e a certeza de que estavam sendo honestos um com o outro. Afinal, não havia mais ninguém ali mesmo e bancar um pilantra seria algo muito estúpido de se fazer numa hora daquelas.
_E agora? _perguntou Rackel. _Por onde começamos? Nem sei o que fazer, Kolt!
O menino refletiu por alguns segundos.
_Eu voltarei para minha casa! _disse. _Foi lá que vi minha irmã pela última vez e acho que fiquei tão apavorado com o desaparecimento dela que nem procurei alguma pista direito! Sei que devo pensar no seu problema também, mas por enquanto essa és a única idéia que tive, Rackel! Tu irás comigo?
Porém, quando a moça já abrira a boca para responder ao menino, ambos ouviram um som muito curioso que os paralisaram. Kolt não conhecia aquele som, mas Rackel sim e o admirava bastante. Olharam para a direção de onde ele vinha até que a moça não resistiu e exclamou:
_Isso é um violão!!! Alguém está tocando uma música muito difícil e bela!!! _em seguida olhou para Kolt e resmungou: _Você não disse que só você e sua irmã moravam nessa ilha? Por acaso mentiu para mim?
_Não!! Eu nunca ouvi nada igual na minha vida!! Que tipo de animal és esse?
_Animal?!!!!! _indagou a moça surpresa.
_Espere! Não me digas!! Quero ver com meus próprios olhos!!
Kolt correu em direção ao som deixando a moça sozinha, que o perdeu de vista quando ele se infiltrou por entre o matagal. Mas ela também estava curiosa e tentou alcança-lo seguindo o caminho que ele abriu ou apenas seguindo o som do violão. Novamente Kolt a surpreendeu com a sua incrível agilidade, correndo pelo matagal no meio da noite como se conhecesse seus todos segredos e armadilhas. Já Rackel observava bem onde pisava, pois temia cair em um buraco ou pisar em uma cobra. Ela sabia que mais tarde sentiria uma coceira tremenda por todo o corpo, mas também não queria ficar para trás em um lugar completamente desconhecido. Ao mesmo tempo, a melodia que ouvia lhe causava uma confortável sensação, como se seu lado poético jamais estivesse tão inspirado, em uma verdadeira confusão de sentimentos e idéias. Naturalmente, Kolt foi o primeiro a sair do matagal e encontrar a origem daquele som que lhe parecia tão estranho. Ele viu uma mulher sentada em um tronco de árvore com o "fazedor de sons" em seu colo. Poucos minutos depois, Rackel consegui encontra-los também.
Era uma mulher com um longo vestido, tão ricamente detalhado que lhe dava um ar de uma rainha ou de uma divindade. Suas vestes eram mais complexas do que uma monarca em dia de casamento. Suas sapatilhas prateadas remetiam imediatamente a uma princesa. Em sua cabeça havia uma coroa de rosas com grinalda e seus cabelos eram longos e azuis. Seus olhos verdes brilhavam no escuro e pareciam hipnotizados pela beleza física e sonora do instrumento musical. Suas delicadas mãos tocavam uma calma melodia com uma concentração absolutamente imperturbável, tanto que aparentemente nem percebeu que Kolt e Rackel a observavam. A luz das luas a iluminava como se fosse uma artista de grande reconhecimento. De longe notava-se que não era uma mulher comum. Talvez até nem se tratasse de um ser humano.
A primeira coisa que chamou a atenção de ambos era a semelhança entre ela e Kolt: Pele pálida, cabelos azuis e olhos verdes que brilham no escuro. Rackel imaginou que aquela que tocava o violão talvez fosse a irmã do menino, mas lembrou-se de que ele lhe dissera que procurava sua irmã gêmea e aquela mulher já era bem mais madura do que Kolt. Este parecia assombrado em encontrar alguém tão semelhante a ele e que não fosse Dana.
_Quem é essa mulher, Kolt? _perguntou Rackel, quase cochichando. _Por acaso é sua mãe ou um parente qualquer?
_Não conheço ela! Já te disse que nessa ilha só vivem eu, Dana, animais e monstros!!
_Mas ela está tão tranqüila! Parece que vive aqui desde criança...
Kolt e Rackel observavam-na tocando a calma melodia. Não sabiam quem era ela, mas era óbvio era uma excelente instrumentista. Conseguiu prender a atenção dos jovens como a luz fascina a mariposa. Diante de tantos problemas, ainda assim sentiam que poderiam ficar ali a noite inteira só ouvindo aquele belo som. Mesmo Kolt, que nem sabia que era violão soube reconhecer a beleza e sentir a sensação que só uma melodia poderia proporcionar. Por fim a música chegou ao fim de sua execução e então, a mulher dirigiu calmamente o olhar para Kolt e Rackel.
_Eu os aguardava. _disse sem mais nem menos. _É difícil esperar muito por algo especial sem se distrair, além de ser perda de tempo! Gostaram da melodia? Levei muitos anos para compo-la! Eu sempre crio trechos adequados mas na maioria das vezes não é fácil conecta-los. Acho que a perfeição traz a auto-suficiência ou então a incompatibilidade. Então no final das contas o que realmente conta é a inspiração e os sentimentos do coração mesmo.
Os jovens aproximaram-se da mulher sentada no tronco sem qualquer temor. Sua voz e seu olhar transmitiam uma grande paz.
_Nunca a vi por aqui! _disse Kolt. _Como se chamas?
_Tenho muitos nomes, mas gosto de ser chamada de Celeste. E você tem razão menino! Não sou dessa ilha e nem de lugar algum, mas mesmo assim eu os aguardava a muito tempo.
_Estava nos esperando? _indagou Rackel. _Você me conhece de algum lugar? Sinceramente, não me recordo de você!
Celeste riu e pôs cuidadosamente seu instrumento deitado no chão. Levantou-se e deu alguns passos em direção a Rackel dizendo:
_Realmente não nos conhecemos, mas eu esperava por uma moça com um livro nos braços e um menino que sonha em ser um grande guerreiro! Não vejo muitas pessoas assim nessa ilha. Acertei? Claro que sim! São vocês o motivo de minha longa espera... Eu gostaria de observa-lo melhor!
_Observa-lo?
_Sim, deixe-me ver o livro! Não se preocupe, não vou rouba-lo!
A moça não viu problema em lhe entregar o livro, ainda que estranhasse aquele pedido. Celeste o examinou como se fosse um objeto muito frágil e o devolveu rapidamente.
_Cuide bem dele. _disse. _Será de grande importância em breve! Jamais deixe que caia nas mãos de certos ladrõezinhos dos grandes continentes.
_Por quê? Já leu esse livro?
_Não! É um livro mágico e ninguém jamais conseguiu abri-lo! Nem eu, você ou Kolt poderíamos faze-lo, mas sei que será útil um dia. Na verdade será fundamental para sua sobrevivência, mais um motivo para protege-lo custe o que custar, entendeu?
Aquelas palavras confundiam mais as coisas ao invés de esclarece-las, mas Kolt achou que o rumo daquela conversa estava se distanciando bastante do que realmente lhe importava e decidiu intervir:
_Por acaso tu não vistes uma menina de longos cabelos azuis, Celeste?
_Dana?
_Sim!!! _exclamou surpreso. _Como sabes seu nome?
_Sei o nome de todos vocês!
A noite estava ficando cada vez mais surpreendente. As respostas daquela mulher pareciam exaustivamente ensaiadas com antecedência ou então Celeste possuía um raciocínio bem veloz. Era como se estivesse sempre um passo a frente.
_Sei onde ela está. _continuou. _Ela está em alto mar, navegando em direção ao continente de Lapsus! Posso sentir o medo e a confusão que devastam sua alma, as incertezas e os mau pressentimentos que angustiam seu coração. Agora está presa em uma caravela clamando por socorro, pois aqueles que a levaram são homens frios e gananciosos. Ela não sabe como chegara ali e provavelmente não viverá o suficiente para descobrir...
_Numa caravela?!!! _Kolt ficou inevitavelmente alterado. _Como dizeres algo tão louco assim? Achas que eu seria capaz de ignorar o odor de ratos do mar perambulando na minha ilha? Achas que não seguiria seu rastro depois de invadirem minha casa e sequestrar minha irmã? É impossível caminhar por essas matas sem deparar-se comigo, criatura! Ninguém seria gatuno o suficiente para tal proeza!!!!
_Digo apenas a verdade, não posso me responsabilizar pela sua dor! Eu reconheço seus talentos especiais e a boa maneira como “administra” sua ilha, mas um menino como você ainda não é páreo para as táticas dos caçadores de recompensa de Khajamina! O fato é que eles roubaram o seu maior tesouro debaixo do seu nariz e se não fosse por mim você jamais teria conhecimento disso! Também não posso me responsabilizar pela dor de Rackel quando ela souber o que aconteceu.
_E que aconteceu comigo?!!! _disse Rackel, também inevitavelmente alterada. _Pense bem no que vai dizer, senhora!!! Estamos todos em um péssimo dia, então pare de brincar conosco desse jeito!!!! Se tem algo de útil a nos dizer então seja breve! Temos coisas mais importantes a fazer do que ouvir seus relatos sem sal e sem açúcar!!!!
_Que nervosinha!!! Muito bem, serei simples e direta! A verdade, Rackel, é que você viajou no tempo! Não está somente longe de casa, mas também longe de sua época. Está no ano 1000d.m., na Era Medieval!
A moça pareceu não ouvir a resposta, mas na realidade ouviu muito bem. Ela já não sabia mais se achava aquela noite misteriosa, esquisita ou somente estúpida. Como tantas coisas poderiam acontecer de uma hora para outra? Decidiu ignorar tudo o que acontecia a sua volta para recapitular em sua mente como toda aquela confusão começara. Kolt, por outro lado, pareceu aceitar tais fatos facilmente e só pensava em salvar Dana.
_Celeste! _disse ele com mais calma. _Por que deveríamos confiar em tu? Para nós, tu não passas de uma estranha que diz coisas sem sentido algum. Não sei de onde saístes ou o que quer de nós... Por que falaste como se soubesses o que se passa dentro de nós? E mesmo que soubesses, achas que tens liberdade para falar assim comigo e com Rackel?
A mulher sorriu de felicidade como se aguardasse a muito tempo por aquela pergunta.
_Por que deveriam confiar em mim? _indagou. _Porque meu objetivo é protege-los! Por que falo como se conhecesse seus pensamentos? Porque eu conheço! Se acho que tenho liberdade para falar tão intimamente com vocês? Claro, pois sou seu espírito guardião! Será que agora estou sendo direta o suficiente para vocês?
_HÃÃÃÃ????? Nossa guardiã? Não entendo, Celeste!
_E eu menos! _resmungou Rackel, que se deu conta de que a única forma de resolver aquela situação era através do diálogo. _Disse que nos esperava a muito tempo! Por quê?
Celeste sentou-se novamente no tronco de árvore, pegou seu violão e começou a acaricia-lo. Rackel achou aquela atitude um tanto bizarra.
_Infelizmente não temos tempo para esclarecer todas as suas dúvidas agora. _disse Celeste. _Há tantas coisas acontecendo que vocês não seriam capazes de compreende-las. Apenas peço que acreditem nas minhas palavras! Quanto mais acreditarem em mim, mas poder eu terei para ajuda-los! _em seguida disse olhando para Rackel. _Eu não menti quando disse que você viajou no tempo e nem eu, que sou um espírito guardião, sei como conseguiu essa façanha. _depois olhou para Kolt e prossegui. _E sua irmã está em alto mar, jovem guerreiro! Já sabe onde ela está e para onde vai, então vá busca-la!
Kolt concordou com a cabeça.
_Suponhamos que eu acredite em você... _disse Rackel. _...como eu poderia voltar para minha época? Diga-me já que é tão metida a esperta!!!
Celeste respirou fundo, como se estivesse fazendo um grande esforço. Sua respiração acelerava gradativamente enquanto dizia:
_Não há mais tempo...por isso ouçam com muita atenção! Vocês são os escolhidos pela Deusa Alhetra para proteger e governar este mundo...os guardiões da deusa!! Encarem todos os problemas como uma provação de sua própria magnificência, jovens! E neste mundo só existe um homem capaz de responder todas as suas perguntas... o autor do livro da capadura azul!! Encontrem-no... e tudo será explicado!!!! Em breve nos reencontraremos, portanto tentem sobreviver até lá...
Como por obra de uma feiticeira, o corpo de Celeste transformou-se em folhas secas de outono, que rapidamente foram carregadas por uma forte brisa que surgira do nada. O violão, que antes repousava tranqüilamente em seu colo, transformou-se em um pequeno coelho dourado que não demorou para bater em retirada e se enfiar no meio do matagal. Como a noite já estava repleta de acontecimentos incomuns, não ouve um choque muito grande com relação a esta inesperada metamorfose. Os jovens apenas observaram Celeste desaparecer diante de seus olhos e suas últimas palavras pareciam ecoar, desde por toda a floresta até os cantos mais inexplorados de suas mentes. Não havia explicação, apenas uma ordem a ser seguida.
Rackel suspirou e disse:
_Estamos encrencados, não estamos?
_Não! _respondeu Kolt com uma tranqüilidade assustadora. _Basta seguirmos o conselho de Celeste! Devemos encontrar o autor desse livro que tu nunca cansas de abraçar!
_Fala sério! Realmente acredita nela, Kolt?
O menino continuou a observa-la:
_Acreditou naquela história de "guardiões da deusa"? Você não tem muito juízo mesmo! Acha mesmo que somos os escolhidos?
_Sim!
Ao contrário de Kolt, a moça estava apavorada e não acreditava em como ele aceitava as coisas com tanta naturalidade. Queria que tudo aquilo fosse um sonho e que não demorasse para despertar. Ela mesma induziu Celeste a ser mais direta e isso apenas confundiu ainda mais a sua cabeça.
Ambos dirigiram-se para a casa de Kolt enquanto Rackel o tentava convencer de que tudo aquilo era uma grande loucura. Subiram pela escada de madeira e entraram cautelosamente na casa. O menino estava disposto a cruzar os mares para encontrar Dana e decidiu pegar algumas coisas que poderiam ser úteis antes de partir: 2 potes de barro, 2 espadas de bambu, uma pequena pedra pontiaguda semelhante a uma faca esculpida por ele mesmo, algumas frutas e uma sacola de palha feita por Dana que parecia mais uma mochila escolar. Rackel não parava de reclamar o tempo todo até que o menino disse secamente:
_Não acreditas em Celeste, não és? Pois eu sei como provar que ela és sincera! Tente quebrar o cadeado e leia o livro, Rackel! Se conseguires, então Celeste não fora sincera conosco.
Aquilo seria fácil! Ela não o abrira antes porque não queria rasga-lo. Mas naquele momento isso já não era mais importante e o fato de Rackel ser uma hiper dotada só iria facilitar o trabalho. Com a ajuda dos dons de Rádiki, Rackel adquiriu uma força física considerável apesar de sua frágil aparência. Talvez conseguiria abri-lo só com a força das mãos, estraçalharia aquele cadeado como se fosse uma folha de papel. E depois, o livro só iria rasgar um pouquinho. Certamente suas escrituras não seriam danificadas.
Então Rackel fez um gesto para que ambos se sentassem em sua cama e mostrar ao menino como era a verdadeira realidade.
_Veja, pirralho!! _disse. _Eu sou uma hiper dotada do Complexo Educacional para Fenômenos de Asgard! Observe como eu abro isso aqui rapidinho!
Então, Rackel estendeu o livro diante dos olhos do menino para que ele visse bem o que iria acontecer, pois estava certa de que iria arrombar o cadeado facilmente. Mas a moça fez força, fez careta, puxou como nunca puxara antes e até tremeu, mas não conseguiu abri-lo. Ela perseverou por meia hora até se dar por vencida. Nem mesmo com a sua força de hiper dotada ela teve êxito.
_Isso é impossível... _lamentou. _Não consigo abri-lo!! Com a força que Rádiki me deu eu poderia abrir qualquer cadeado, mesmo que fosse do material mais duro desse mundo! Realmente é um cadeado mágico!
Kolt sorriu como se já previra o resultado. Rackel não conseguiu abrir o livro mágico, então Celeste dissera a verdade. Somente o criador poderia faze-lo.
_É como eu disse, Rackel! Devemos encontrar o criador do livro, pois só ele serás capaz de nos ajudar! Com certeza ele não está nessa ilha, pois só eu e Dana moramos aqui! Talvez estejas no continente mais próximo, Lapsus! E é para lá que eu vou! Vens comigo?
_Como se eu tivesse escolha...
O menino então se contentou com a resposta forçada e voltou a juntar os objetos para a travessia do mar do dragão. Rackel, emburrada, saiu para o que parecia ser a sacada da casa e ficou a observar o que ainda restava do alinhamento das três luas. A partir daquele momento eles já sabiam que estavam envolvidos em um verdadeiro “nó cego” e que muitos obstáculos estariam por vir, mas desconheciam completamente as proporções gigantescas do rumo que suas vidas tomariam.
Estava decidido! Kolt de Atlântis e Rackel Casanova iriam viajar pelo mundo em busca do autor do livro da capadura azul. Aquele que era o único capaz de abrir o cadeado dourado. E a única pista que tinham era o nome escrito um pouco abaixo do centro da capa: Kiorra...



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